segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O CONCEITO AGOSTINIANO SOBRE O CRISTIANISMO

SOBRE O CRISTIANISMO.

Nas Confissões Agostinho descreve sua peregrinação a fé conta como perambulou, cegamente, nas trilhas do erro. Durante todo esse tempo, no entanto, estava sob a influência dos poderes da graça e foi atraído cada vez mais pelo amor à verdade, até que, afinal, através de sua conversão, este amor tornou-se permanente e seus desejos se voltaram à realidade espiritual. Antes disso, apenas fora capaz de vislumbrar a verdade de longe, e seu amor a ela era por demais evanescente para capacitá-lo a dominar seu amor pelo mundo. A natureza caleidoscópica dos interesses seculares o mantinha cativo e exercia influência decisiva sobre seus desejos. Não conheceu a paz até chegar a ter a fé em Cristo, até submeter-se a verdade escriturística. Somente então encontrou aquilo que em vão buscara tateando. Essa foi a experiência que Agostinho resumiu nas conhecidas palavras: “Tu nos fizeste para Ti, e nossos corações estão inquietos, até encontrarem descanso em Ti” (I.1).

Como já foi mencionado, Agostinho submeteu-se a autoridade da igreja e aceitou os ensinamentos das escritura depois de sua conversão. Seu batismo e a escolha da maneira de vi ver dão testemunho da natureza decisiva dessa modificação. Em seus escritos, entretanto, podemos ver certa continuidade; o que escreveu depois de sua conversão relaciona-se, até certo ponto, com o que escrevera antes dela. Mesmo as coisas que escreveu imediatamente depois de sua conversão ( os Solilóquios, por exemplo) são obviamente influenciados pelo neoplatonismo. À medida que o tempo corria, voltou-se cada vez mais à tradição cristã, mas nunca rompeu completamente com o neoplatonismo (como fez com o maniqueismo). Em sua opinião, o cristianismo e o neoplatonismo não se excluíam mutuamente. Acreditava que, em vez disso, idéias neoplatônicas o capacitaram a encontrar o cristianismo e a entender suas implicações mais profundas. Como resultado, os fundamentos de sua posição teológica foram sempre, ao menos em parte, determinados por pressupostos neoplatônicos.

Todavia, a atitude básica de Agostinho face à especulação filosófica modificou-se depois de sua conversão. Antes dela, a filosofia tinha oferecido a Agostinho a possibilidade de encontrar a verdade por meios racionais, através do uso da especulação. Depois de converter-se, Agostinho entendeu a relação entre teologia e filosofia de acordo com a seguinte fórmula: “Creio para que possa compreender” A submissão a autoridade ocupava agora o primeiro lugar em sua vida. Não mais julgava ser a especulação filosófica o caminho que conduzia o alvo. Acreditava agora que só pela fé se podia chegar a conhecer verdadeiramente a Deus, aceitando a verdade revelada. Não concluía com isso, entretanto, que a possibilidade de considerar a fé em termos racionais ficava excluída; julgava que a verdade da fé também podia ser alvo de compreensão, pelo menos até certo ponto, Mas o pensamento filosófico não mais ocupava o lugar de honra na vida de agostinho; este fora substituído pela fé e pela submissão à autoridade da Escritura.

Para Agostinho, o pensamento lógico, embora se baseasse na fé e se relacionasse com a submissão aos ensinamentos da igreja, tomava a forma de síntese entre cristianismo e neoplatonismo. Em sua opinião, estes dois estavam em harmonia um com o outro; não se excluíam mutuamente. Isto não quer dizer que Agostinho considerava o neoplatonismo um religião situada no mesmo nível do cristianismo. Bem pelo contrário, julgava ser este a única fonte da verdade. Mas a relação entre ambos, em sua opinião, era que apenas o cristianismo podia fornecer as respostas corretas as questões propostas pelo neoplatonismo ou a filosofia em geral. Os filósofos buscam a verdade, mas não podem encontrá-la. Reconhecem o alvo, mas não conhecem o caminho que a ele conduz. Desta maneira, quando o cristianismo responde às profundas questões levantadas pela filosofia (as únicas respostas válidas que podem ser encontradas), situa-se numa ambivalência com a filosofia. De um lado, a atitude da fé revela a falsidade da filosofia, demonstrando quão vazia ela é, bem como traz luz à sua incapacidade de satisfazer aos anseios mais profundos do homem. Do outro lado, o cristianismo aceita questões levantadas pela filosofia, e desta maneira reconhece a atitude básica face à vida que é característica da filosofia. Esta ambivalência é típica do conceito de cristianismo de Agostinho. De um lado, reconhece a verdade da revelação e da tradição cristã em contraste com a razão e a filosofia. De outro lado, apresenta o cristianismo em categorias implícitas nos pressupostos filosóficos que aceitava. Agostinho criou um síntese que incluía tanto elementos cristãos como neoplatônico sem interação mútua. Estas linhas gerais de pensamento podem ser isoladas e diferenciadas uma da outra, mas na mente de Agostinho formaram um ponto de vista unitário, simultaneamente cristão e neoplatônico.

O neoplatonismo ensinava que a tendência mais elementar encontrada no homem é sua busca da felicidade, e é esta idéia, acima de tudo, que constituiu o elo de ligação entre Agostinho e este sistema de pensamento. Em sua opinião, o pressuposto básico de todo esforço humano se encontra na concentração do homem sobre um objeto que lhe promete trazer certos benefícios.

Além disso, Agostinho deseja provar que essa concentração da vontade humana não se limita simplesmente a alvos fortuitos e temporais. O que o homem deseja acima de todas as outras coisas é o bem supremo. E mesmo que aplacar seus desejos de obter vantagens temporais, isto não o satisfará inteiramente. Revela-o o fato que o homem constantemente dirige sua atenção a novos alvos. Não se satisfaz com o que é apenas parcialmente bom, que oferece valores de qualidade inferior. O que corresponde plenamente ao destino humano, e aquilo a que se dirigem as aspirações mais profundas dever ser o bem supremo, algo de valor absoluto, não qualificado por qualquer coisa superior. Agostinho também acreditava que se o homem busca certo nível de realização e o alcança, seu desejo não se aquietará , pois sempre viverá no temor de perder o que obteve. Pois o bem que alcança é mutável e perecível. Apenas o que é permanente e imutavelmente bom pode satisfazer o coração do homem. E é apenas Deus que é este summum et incommutabile bonum. Em vista disso, há em todos os homens um desejo natural por Deus, o bem supremo. Esse desejo se expressa mesmo em formas pervertidas de amor. “Deus, que é amado por tudo que é capaz de amar, consciente ou inconscientemente...” (Solilóquios, I. 1,2).

Há um eudemonismo em Agostinho, mas não é o eudemonismo filosófico que afirma que satisfação do desejo ou a realização do prazer próprio é o alvo mais elevado. Conforme Agostinho, o alvo mais elevado é união com o supremo, como algo transcendente, não encontrado na esfera humana. “Para mim o bem é estar unido a Deus”. A visão de Deus é o objetivo supremo. Quando todos os poderes do espírito estão dirigidos a Deus e à eternidade, é então que a mente está corretamente inclinada, e alma pode experimentar paz e clareza. Esta espécie de amor é o mandamento mais elevado, que abrange todos os outros. “Ama, e faze o que quiseres”.

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