quinta-feira, 29 de setembro de 2011

QUANDO A CRISE MOSTRA A SUA FACE – Lição 1


A existência humana é marcada por altos e baixos, isto é, por sucessos e fracassos. Na experiência da fé o sucesso individual ou coletivo está diretamente relacionado a capacidade humana em entender e submeter-se a vontade de Deus. No Salmo primeiro temos uma perfeita noção dessa realidade.  Em maior parte os momentos de crise vivenciados pelo povo de Deus, conforme registrado no Antigo Testamento através relato na história do povo Hebreu, ocorreram como resultado da desobediência e pecados cometidos pelo povo de Deus num contexto geral. Todavia, nem sempre as crises que homens e mulheres crentes enfrentam são geradas pelos seus próprios erros. Nesse contexto as crises se constituem em grandes oportunidades para testarmos a nossa própria determinação, a nossa capacidade de perseverarmos sem jamais aceitarmos a decretação miséria. Como nos diz salmista no Sl 20.8 “uns se encurvam e caem, mas nós levantamos e estamos de pé”.  Os que se encurvam são aqueles que desistem quando a crise apresenta a sua verdadeira face, perdem a esperança, entregam as armas e assumem a fatalidade da derrota.  A fé em Deus proporciona uma esperança ilimitada, e uma capacidade para se enxergar possibilidades além de qualquer previsão humana. Aquele que tem fé ainda que venha cair, mesmo assim encontrará forças para levantar e continuar de pé para enfrentar a crise com postura, integridade, fibra de caráter e esperança na certeza de que dias melhores hão de chegar. A nossa primeira lição do último trimestre/2011 traz uma abordagem sobre um desses momentos críticos vivido pela nação judaica alguns anos após o exílio babilônico. Tudo começa quando um hebreu chamado Neemias, provavelmente um descendente de uma família da nobreza judaica e também da linhagem davídica, que estava a serviço do Rei da Pérsia, Artaxerxes I, recebeu uma comitiva de Judeus oriundos de Jerusalém que lhe trouxeram notícias sobre a caótica e decadente situação em que se encontrava a cidade de Jerusalém.

CONTEXTO SOCIAL E POLÍTICO RELACIONADO COM O “PROJETO NEEMIAS”
Os dois primeiros capítulos do livro de Neemias introduzem o “projeto de Neemias” ; reedificar a cidade de Jerusalém (Ne 2.5). O texto de Ne 1-2  forma um pequeno bloco literário e de conteúdo coeso dentro do livro de Neemias. A maioria dos estudiosos entende que o texto é composto por duas partes perfeitamente relacionadas, cujo o tema principal é o estado e destruição de Jerusalém. Falar de programa de reconstrução de Jerusalém e reorganização de Judá não significa dizer que houve um programa com metas estabelecidas que se queria atingir; significa muito mais descrever o processo dentro do qual Judá foi sendo reorganizado. Ao que parece, esse processo foi deveras complicado. Não se pode esquecer também que o período entre a destruição de Jerusalém e a reconstrução de seu muro foi de quase um século e meio. É importante ficarmos cientes que no período exílico, Judá não era um “deserto populacional” como alguns pensam. Segundo algumas pesquisas, a população de Judá nesse período girava em torno de 180.000 habitantes. Conforme o Livro de Esdras, já no primeiro ano após a conquista da Babilônia (538 a. C.), Ciro autorizou o retorno dos exilados e a reconstrução do templo de Jerusalém. O ponto inicial para o processo da volta dos exilados foi a promulgação do Edito de Ciro, cuja a variante do texto aramaico se encontra em Ed 6.3-5. São mencionados vários grupos que retornaram do exílio. Ainda de acordo com estudioso Kreissig, na metade do V a. C. a população de Judá já contavam com aproximadamente 210.000 pessoas, correspondendo a uma densidade demográfica em torno de 130 habitantes por Km quadrado. A descrição do estado de Jerusalém por ocasião da chegada de Neemias parece evidenciar que a cidade e o templo foram restaurados em períodos diferentes, de modo que faz sentido encontrar diferentes tradições acerca de pessoas que reedificaram o templo (Ed 1 e 3). Os livros dos profetas Ageu, Zacarias e Malaquias parecem revelar que o interesse de reconstrução em Jerusalém, nas primeiras décadas, foi muito mais no âmbito particular. Isso a tal ponto que Ageu critica severamente tal comportamento: “Acaso é tempo de habitardes vós em casas apaineladas, enquanto esta casa permanece em ruínas?” (Ag 1.4). Quando Neemias chegou a Jerusalém em 445 a. C., ainda encontrou a cidade de Jerusalém em situação desoladora. Os muros estavam destruídos a cidade em situação desoladora. Os muros estavam destruídos e o portões queimados (Ne 1.1-13). Todavia, mesmo após a reconstrução dos muros, a cidade ainda estava quase desabitada (Ne 7.4). Tudo parece indicar que ela voltou a ter uma vida ordinária, mas que de certa forma Jerusalém ainda não havia se tornado um pólo próspero e atrativo até a metade do V século a.C.

Um pouco antes da atuação de Neemias, a dinastia aquemenida tinha estado envolvida com assassinatos na disputa pelo trono. Xerxes (486-465 a.C.) fora asssssinado em 465 a.C., quando assumiu seu filho, Artaxerxes I (465-424 a.C.). Para galgar o trono, ele teve que mandar eliminar os seus irmãos. Quando Neemias chegou a Jerusalém em 445 a. C., pobreza e penúria reinavam na cidade. A partir do livro do profeta Malaquias são conhecidos alguns males morais e cultuais da vida comunitária. Algumas pesquisas têm chegado a conclusão de que a indicação de Neemias para a reconstrução do muro foi favorecida por uma forte motivação política, tendo em vista a ocorrência de revoltas em algumas Satrapias, o império  buscava uma situação mais estável ou mais eficácia da administração persa em Judá. Talvez o rei achasse sensato reconstruir Jerusalém, a fim de ter um pequeno forte ao sul de Judá. Além do mais, era muito importante que na Judéia houvesse um súdito leal a ao rei, considerando-se as recentes rebeliões havidas.  A grande maioria dos estudiosos vincula a destruição mencionada em Ne 1.2-3, de uma outra maneira, com o relato de Ed. 4.23. Os acontecimentos narrados em Ed 4.7-23 devem ser datados nos primeiros anos do reinado de Artaxerxes I. Neste período os habitantes de Samaria e os funcionários persas de Samaria procuravam dificultar a reconstrução de Jerusalém, especialmente do muro. A partir de Ed. 4.23 e de Ne 1.1, Schneider entende que inclusive uma parte da cidade, que havia sido restaurada, foi novamente destruída com violência e fogo. Para ele, a situação relatada pelas pessoas que vieram de Judá é conseqüência do mais recente decreto de Artaxerxes I (Ed 4.17-23), que determinou a interrupção da obra de restauração de Jerusalém. Outros estudiosos  também concordam que a destruição relatada para Neemias deve ter tido lugar algum tempo após a missão de Esdras. 

A ORAÇÃO É O PRIMEIRO RECURSO DE NEEMIAS
Neemias estava vivendo em uma situação muito confortável e de muito status político e social. Na nossa compreensão, conforme os nossos padrões profissionais, a profissão de copeiro, ainda que fosse do presidente da república, nunca seria encarada como um alto posto nos dias atuais, porém, naquele contexto a situação era bem diferente. O copeiro o rei era uma pessoa de sua extrema confiança, pois, ele era o responsável para impedir que o rei viesse a ser envenenado, participava de grande parte da privacidade do rei e muitas vezes se tornava confidente dele, o que nos parece ter sido o caso de Neemias.  O fato de Artaxerxes questionar Neemias sobre a angustia que ele expressava por meio do semblante, demonstra que o rei tinha uma certa afinidade por ele, pois, geralmente os reis persas se mostravam indiferentes aos problemas sentimentais dos seus súditos e não costumavam misturar problemas pessoais com profissionais. A função de copeiro rei era tão importante, que alguns deles, muitas vezes exerciam paralelamente a essa função, altos cargos na administração pública, a semelhança de um ministro de estado. A abertura da oração de Neemias tem um paralelo com Dn 9.4.  A linguagem deuteronomista perpassa toda a oração. Ela indica que Neemias era bem versado nessa linguagem e um estudioso das Escrituras, do contrário não poderia usar o AT tão livremente, como se pode perceber também em outras partes do livro (Ne 13.10,12,15). Neemias introduz a oração, não para comprovar sua piedade, mas para levar à presença  de Deus toda problemática da qual tomou conhecimento. Neemias expressa sua fé quando recorre à oração. Ele reconhece que Deus é “grande e temível”, único e universal, é o Deus dos céus”. Todavia, o Deus que terá misericórdia dos que estiverem prontos ao arrependimento. Neemias se atém, assim, á promessa de que Deus é fiel àqueles que permanecem fiéis ao Senhor e mantém a sua aliança. É na lembrança dessa promessa que Neemias baseia sua esperança: Deus ouvirá sua oração. Miséria e exílio são conseqüência da ira divina. Neemias invoca Deus, pedindo sua atenção (v.6) e apresentando-lhe a confissão de pecados, dos seus próprios e dos seus irmãos (VV. 6-7). No reconhecimento de que a pessoa só pode estar diante de Deus depois de confessar sua culpa, o primeiro conteúdo concreto da oração é a confissão de culpa. A auto-inclusão de Neemias nessa confissão demonstra sua honestidade. Após a confissão de pecados, segue-se o pedido de fato: Deus havia anunciado o exílio como castigo para a quebra da fidelidade, mas também havia prometido salvação aos arrependidos (Dt 30.1-5). Neemias está apelando para a promessa de Javé. O apelo de Neemias é um apelo à misericórdia de Deus. A situação de Judá mostra que Deus cumpriu sua palavra, quando disse que puniria o povo se este persistisse no pecado. Neemias vê essa condição calamitosa de Judá como indicação do poder de Deus (Jr 18.6). Dessa forma, ele defende que Deus é igualmente capaz para restaurar a sorte de Judá, desde que haja sinais de arrependimento. No final da oração, Neemias volta a invocação inicial de que Javé lhe ouça a oração, mas agora com um aspecto muito concreto: que ele, Neemias, encontre um ouvido aberto da parte do rei. O pedido de que “seja bem-sucedido hoje o teu servo” (v.10) deve se referir aos planos de Neemias de reconstruir  Jerusalém; que Neemias tenha sucesso no seu arrependimento de pedir ao rei que lhe dê autorização para reedificar Jerusalém. Neemias sabe muito bem que sua vida estará nas mãos do rei quando fizer o pedido. Fazer tal pedido diante do rei poderia ser altamente perigoso, mesmo para alguém que era protegido por ele, pois Artaxerxes I poderia entender o pedido de Neemias como uma afronta. Sabe-se que os reis do Antigo Oriente eram muito temperamentais, e suas reações muito imprevisíveis. O livro de Ester mostra que,afinal, é sempre um risco de vida chegar diante do rei (Et 4.11-16). Mas Neemias sabe que Deus é soberano, Senhor da história. E assim, nesse contexto da oração, ele pode usar a expressão “este homem” para designar o rei. Esta expressão não é tão anormal se se considerar que ela está sendo usada em oração diante de Deus, perante o qual o rei não passa de uma pessoa qualquer que também pode ser conduzida pela vontade de Deus.Por isso, a última decisão final será dada pelo Senhor da História!



quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A PLENITUDE DO REINO DE DEUS – Lição 13


Os temas relacionados com a escatologia bíblica são, sem sombras de dúvidas, os que mais apresentam dificuldades para a maioria dos ramos do cristianismo. Talvez seja porque a disciplina da escatologia é para os crentes como a matemática é para a maioria dos estudantes secundaristas. Devido a essa fama de “tema complicado”, a maioria dos cristãos têm demonstrado muito interesse para estudar esse assunto. Porém, vamos abordá-lo conforme nos impulsiona o tema referente a plenitude do Reino de Deus. Através da história do cristianismo foram muitos os momentos em que algum profeta apareceu para anunciar o final dos tempos. Pelo fim do ano 1000 também se esperava o fim do mundo, isto em razão de uma interpretação errada do trecho simbólico do Ap 20.1-10, mas também por causa  da decadência do Ocidente: século de ferro (900-1000), famílias ducais de Roma lutavam pelo papado. Os próprios judeus esperavam que a vinda do Reino fosse espetacular. Pegar-se-ia em armas para vencer o inimigo romano e Israel reinaria. Estrelas cairiam do céu, segundo a esperança apocalíptica.  A Palavra do Senhor não fornece nenhuma base para que sejam estabelecidas datas para o fim do mundo, pelo contrário, Jesus diz que ninguém sabe o dia, nem o Filho do Homem (Mt 24.42; Mc 13.32). A Bíblia condena, pois, a inclinação humana de determinar o dia em que o mundo findará. Também evita as descrições fantásticas comumente em uso. A sua descrição é sumamente moderada, em comparação com a visão apocalíptica de seu tempo. Toda a sua mensagem está concentrada no próprio fato de que Deus reinará. Vejamos o que nos diz Jesus sobre isso: Mt 24.29...Lc 21.25: “Logo após esses dias de tribulação, o sol se escurecerá, a lua não dará mais sua claridade, os astros cairão do céu, os poderes do céu serão abalados. Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem”. Como entender isso? Devemos ver isso como um gênero literário. Perturbação nos astros, disso já os profetas do AT falavam. Assim, Isaías descrevendo a queda da Babilônia fala das estrelas, do sol e da lua que não difundem mais o seu brilho (Is 13.9). A ruína de Israel é anunciada em termos semelhantes (o sol se porá ao meio-dia e a terra será recoberta de trevas);  e de Edom também (Is 34.4), como a do Egito (Ex 32.7) e os fenômenos são por sua vez preditos em Sofonias 1.14. Os autores bíblicos tinham um prazer em associar a natureza aos acontecimentos humanos; como cordeiros (Sl 113.4). É claro que aqui temos um sentido puramente metafórico e por que não o teria também em referência ao fim do mundo? Pedro (II Pe 3.7) diz que os céus e a terra que agora existem são reservados para o fogo no dia do juízo e da perdição dos ímpios”. Será este mundo destruído? Uma destruição por meio da bomba atômica e a de hidrogênio provocaria fenômenos semelhantes aos citados pelo apóstolo Pedro. O sol perde a sua energia, os pólos também degelam. No contexto da filosofia grega também existiam referências a destruição do mundo pelo fogo. Todavia, o mesmo Pedro que fala da destruição do mundo pelo fogo, também se refere a novos céus e nova terra (II Pe 3.13; Ap 21.1). Nessa perspectiva será mais coerente dizer que o mundo físico será transformado. Os seguidores do teólogo Orígenes, que diziam que o mundo corpóreo seria totalmente destruído subsistindo apenas puros espíritos, foram condenados pelo sínodo de Constantinopla (543 d.C). Na idade Média também havia gente que defendia a destruição total, como João Escoto Eriúgena e vários outros estudiosos afamados. Portanto, como compreender este novo céu e nova terra?  Embasado nas Escrituras podemos dizer que os redimidos pelo sangue do Cordeiro, os quais constituem agora o verdadeiro povo de Deus, em estado de glorificação, estão aptos para reinar com o Senhor Jesus, Paulo nos diz: “Se sofrermos, também com ele reinaremos; se o negarmos, também ele nos negará;” II Tm 2.12. Algumas pessoas as vezes indagam sobre como será o ambiente depois da consumação, e então perguntam: “ existirá flora, fauna? O teólogo Tomás de Aquino nega simplesmente a existência de animais, plantas e corpos inanimados mistos, pois nada deles é incorruptível. Porém muitos autores modernos admitem tudo isso, pois isto concorre para ornamentar a natureza e deleitar os homens. Mas em geral os teólogos são muito reservados sobre isso.


CONSUMAÇÃO


Quando Jesus veio na plenitude dos tempos trouxe redenção para a própria natureza. os milagres não são intervenções de Deus pelas quais Ele perturba a ordem da natureza. Não eram também evidência da divindade de Cristo. Jesus Cristo nunca os fez para provar tal coisa. Os milagres são o sinal da presença do Reino em nosso meio. Não são o inesperado mais sim o esperado do Reino de Deus. Com a presença de Jesus a mente e o corpo do homem ficam sãos. Não há lugar para doenças no Reino de Deus. Os mortos são ressuscitados. Não há lugar para a morte no Reino de Deus. A tempestade é acalmada. Não há lugar para violência física no Reino de Deus. Jesus diz: O Reino está no meio de vós. Isto não quer dizer que há uma semente lançada em nossos corações. Isso é pietismo e individualismo. O Reino de Deus é objetivo e presente em Jesus Cristo. Quando olhamos para o fim à luz de Cristo começamos a perceber a filosofia da história de Paulo em Rm 8. O fim, de que fala o NT é o ajuntamento de céus e terra. Ap 21.22 "A habitação de Deus está com os homens. Com isto finda-se a ruptura entre céus e terra e a natureza é redimida da maldição. A Bíblia não nos fala só de Novo Céu. A Escatologia também não se refere apenas a morrer e ir para os céus. A Escatologia tem uma perspectiva horizontal. Esperamos a redenção da natureza e da terra. Por vezes o nosso pensamento está mais próximo do romanismo do que da Bíblia. Pensamos que a terra é apenas o palco onde se desenvolve o drama da alma. A terra é suja. O corpo é carnal e seu destino é o pó. A única coisa importante é a alma e o seu fortalecimento. Assim, quando o drama da salvação terminar tudo o que está acontecendo na terra não terá significação. Os céus ficarão e a terra será destruída numa conflagração gigante. Daí a história e a vida não ter significação. A única coisa que permanecerá será a eternidade celestial. Mas a Bíblia não pensa assim do Tempo, História e Eternidade. No decorrer da História o propósito de Deus está sendo levado a cabo. Aqui e agora o todo da natureza aguarda a consumação final. A ressurreição do corpo significa, pois, que também todo o contexto de nossa vida e da natureza será restaurado. Da criação de Deus nada se perde. Todas as novas esperanças e empreendimentos no fim se realizarão e terão significação porque serão eternizadas e permanecerão na presença de Deus. 


A IGREJA NO REINO ETERNO


O estado eterno do crente é vida através e com o Senhor Jesus Cristo: "E o testemunho é este, que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está no seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho não tem a vida" (I Jo 5.11,12). A vida eterna não é simplesmente a existência eterna; todos os homens, justos e injustos, existirão eternamente. A vida eterna não se refere apenas à duração da vida, mas a sua qualidade. O cristão tem a vida de Cristo (Gl 1.20), porque possui Cristo em seu íntimo (Cl 1.27). A vida em Cristo é um bem presente do cristão, assim como sua esperança futura. Ela é chamada de estado futuro do crente apenas no sentido de que na volta de Cristo a vida eterna não mais será tirada (I Jo 3.2; Ap 2.10). No paraíso, reinando com Cristo em seu reino milenar, ou habitando a Nova Jerusalém, o crente permanecerá na presença de Jesus na casa do Pai. A vida na casa do Pai é assegurada pela promessa de Cristo de preparar um lugar para nós ali (Jo 14.2,3); a preparação que nos concedeu um lugar foi a obra expiatória de Cristo na cruz do Calvário. A morada eterna do crente será no eterno reino do nosso Deus. 

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A INTEGRIDADE DA DOUTRINA CRISTÃ – Lição 12


A preservação dos ensinos dados pelo Senhor Jesus se constituiu na maior preocupação dos apóstolos e demais lideranças da igreja primitiva. Podemos afirmar com segurança que “Perseverança” é o vocábulo que melhor define a postura dos primeiros cristãos. O livro de Atos dos Apóstolos nos proporciona testemunhos muito importantes que nos revelam o empenho dos discípulos para a transmissão “Querigmática” do Evangelho se processasse de forma que fosse mantida a integridade de toda verdade ensinada por Jesus, Paulo, Pedro, Tiago e todas demais lideranças instituídas pelo Espírito Santo para desenvolver a teologia cristã. A conceituação do termo “doutrina” pode ser muito simples, tendo em vista que esse termo pode ser definido simplesmente como “ensino”.  A base e o corpo da doutrina cristã está contida na Bíblia, que o registro da revelação divina. A reflexão humana através da história sobre a revelação neo-testamentaria que foi dada aos primeiros, deu origem a que denominamos de “Teologia”, e essa teologia com o passar do tempo foi adquirindo vários desdobramentos com as mais diversas nomenclaturas, porém, se resume num grande dos homens para apresentarem explicações mais amplas, profundas e aplicáveis na existência dos seres humanos. Esses empreendimentos da teologia nem sempre foram produtivos no sentido de contribuírem para a preservação da integridade da doutrina cristão, pelo contrário, muitos movimentos teológicos têm caminhado na “contra mão” da verdade cristã, e assim tais supostas “teologias” apenas tem servido para realizar uma descontrução da verdade. Nesse aspecto devo apenas mencionar a teologia liberal, cujos os postulados baseavam-se apenas em conceitos filosóficos e humanistas, com o propósito de reformular a fé cristã em harmonia com o iluminismo, e a das perspectivas do iluminismo. Imbuídos desse intento desferiram terríveis ataques contra as doutrinas ortodoxas, isto é, a doutrina cristã que tinha as suas raízes nos ensinos de Jesus e dos apóstolos. Essa corrente de pensamento foi mais ofensiva do qualquer outra heresia, inclusive as que foram combatidas pelos famosos pais da igreja, entre Tertuliano, Irineu, Eusébio, Atanásio e outros tantos. Entre tais heresias podemos citar o Gnosticismo, o Donatismo, o Arianismo, Unitarismo e assim por diante. Entre os principais teólogos liberais percebe-se um projeto deliberado para desfazer da integridade da doutrina cristã, até então crida e vivenciada por todos os cristãos de diversas gerações. Considerado o pai do liberalismo teólogico, Schleiermacher foi o pioneiro para a reconstrução da teologia mediante o uso de uma base filosófica articulada. Para Schleiermacher a fé e a redenção do Ser depende fundamentalmente de um "sentimento", o qual leva o homem a viver uma vida de total dependência de Deus. Nesse raciocínio o fundamento da fé já não se acha naquilo que Deus diz (a revelação divina) nem naquilo que o homem experimenta. A partir desse critério filosófico todas as doutrina cristãs são reformuladas, ou porque não dizer, eliminadas. Shleiermacher se distanciou tanto das afirmações bíblicas que foi considerado "panteísta" pela maioria dos estudiosos dessa teologia. O panteísmo é a crença que diverge do monoteísmo bíblico e ortodoxo, de um Deus único e pessoal, pois os panteístas acreditam que "tudo é Deus, e Deus é tudo", não distinguindo o Criador da coisa criada. Outro exemplo de atentado contra a integridade da doutrina cristã pode ser visto na obra do teólogo alemão Rudolf Bultmann, pois o mesmo é conhecido pela sua famosa teoria da "Desmitologização". Segundo esse teólogo a doutrina cristã precisava ser reelaborada, pois a linguagem mitológica da Bíblia estabelecia grandes obstáculos para que a mensagem cristã fosse acatada pela mente racional de um homem  havia avançado no conhecimento científico e filosófico. Por isso, Bultumann vai propagar que tudo na bíblia que contrariar a razão humana poderá ser reinterpretado por meio do método da "desmitologização", isto é, tudo que ultrapassar os limites da razão se dá fato da presença dos elementos mitológicos do texto que apenas uma relação com as crenças e lendas dos povos antigos. Por outro lado outros movimentos se levantaram para conter o ímpeto liberal, e assim evitar uma total descaracterização da doutrina cristã. Além da forte resistência da ortodoxia evangélica temos a importante participação dos chamados teólogos "neo-liberais", os quais mesmo divergindo de alguns pontos da ortodoxia não podiam permitir que tais pensadores tratassem a Palavra de Deus como se fosse apenas uma filosofia diferenciada, e não a revelação  vinda direta do Eterno Deus. Entre os teólogos neo-ortdoxos está Karl Barth, o qual foi de inestimável importância para impedir que as reformulações dos liberais viessem a suplantar a teologia cristã ortodoxa na base de fé que entende que a Bíblia é palavra Deus revelada e na mesma não existem equívocos de qualquer natureza. Apesar de ter uma elaboração teológica com algumas nuances que não se harmonizam com a teologia ortodoxa, Barth ficou conhecido como "O Teólogo da Palavra", pois a teologia dele supervaloriza a Palavra do Senhor e em todos os momentos denfende-a com a plena revelação de Deus. Para Barth uma teologia que não está centrada na Palavra de Deus, não passa de um discurso vazio e sem sentido.

DESVIOS DA DOUTRINA DE DEUS

Na medida em que a doutrina ortodoxa de Deus e da Trindade sofria erosão na teologia liberal, novos esforços foram feitos para reformular a doutrina de Deus. A teologia liberal realmente teve como ponto de partida o panteismo na teologia de Schleiermacher. Mas este não poderia ser o lugar  de descanso final da doutrina de Deus sustentada pelos liberais. A fim de ressaltar a imanência de Deus, sem porém, cair no panteísmo, o liberalismo falava do panteísmo , "Deus em todas as coisas". Isto salvaguardaria a doutrina da imanência divina (a presença de Deus no mundo) que era tão importante para o liberalismo religioso, e, porém, segundo se esperava, salvá-la-ia de um panteísmo que seria fatal para a teologia cristã. Um segundo desvio muito importante para longe do modo histórico de entender a doutrina de Deus foi o impacto da teologia ética sobre a teologia cristã. Foi o filosófo Kant que realmente introduziu o conceito da teologia ética, e este conceito recebeu um grande apoio do filósofo Johann Fichte (1762-1814), um seguidor fiel de Kant. O resultado foi uma sentimentalização do conceito de Deus. Deus o Pai celestial é também um Deus de moral sentimental. Um Deus assim não poderia castigar severamente os maus nesta vida; nem sequer era segundo a ética para Jesus carregar sobre Sí os pecados e o julgamento em prol do mundo; nem era segundo a ética castigar os homens para sempre no inferno. Logo, quando a teologia liberal ficou sendo tão preocupada eticamente, e tão sentimental na sua doutrina da paternidade de Deus, foi subvertida toda a severidade e fibra moral do modo histórico e ortodoxo de entender a Deus. O unitarismo tem tido uma longa história no cristianismo e era conhecido na igreja primitiva como o monarquismo. No século XIX tinha um defensor articulado na Grã-Betanha na pessoa do famoso estudioso, James Matineu (1815-1900). Nos Estados Unidos, a negação do trinitarismo teve suas raízes no racionalismo dos anos 1700, e emergiu como denominação nos anos 1800. Foi um abalo para o unitarismo quando um dos seus maiores defensores, T.S. Eliot, virou as costas ao unitarismo por causa da sua impotência espiritual e sua esterilidade teológica, e voltou-se para a ortodoxia anglicana. 

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A INFLUÊNCIA CULTURAL DA IGREJA - Lição 11

O que é cultura?

A definição de cultura não é tão simples como parece. Os antropólogos já criaram mais de trezentas definições. O conceito mais básico de cultura é relativo ao jeito próprio de as pessoas enfrentarem suas atividades cotidianas e perceberem o mundo em que vivem. "Este conceito refere-se a coisas muito concretas, como a forma de dormir, levantar-se, comer, beber, trabalhar, brincar, lutar, expressar amor, casar-se, criar e educar os filhos, adoecer, morrer, etc. Existem, por exemplo, várias maneiras de dormir. Nem todos dormem do mesmo jeito, usando cama, colchão e lençóis. Em muitas comunidades do interior, dorme-se no chão ou numa plataforma de barro com pelegos de carneiro. Na selva, como também em várias regiões do continente, usam-se rede e estrados de madeira". Os hábitos de higiene pessoal diferem muito de país para país. Sabe-se que os franceses não são muito achegados ao banho diário. Para disfarçarem os maus adores desenvolveram a maior indústria de perfumaria do mundo. Nós, brasileiros, nos
banhamos todos os dias; em alguns lugares, devido ao excessivo calor, várias vezes ao dia. Já os escandinavos banham-se em saunas. Nos climas frios nórdicos pouco se transpira, e a sauna produz artificialmente um ambiente em que os poros se dilatam e o suor limpa a pele de bactérias mortas. Edward Taylor, antropólogo norte-americano, assim definiu a cultura: Cultura, tomada em seu amplo sentido etnográfico, é o todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes, ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. Examinando os primeiros relatos históricos das civilizações mais antigas, observamos que as sociedades transformavam em arte o que primeiramente haviam criado apenas para atender suas necessidades mais básicas. Além de caçar, os povos primevos buscavam desenhar suas aventuras nas paredes das cavernas. Os potes de barro, inicialmente usados apenas para conter alimentos e  cozinhá-los ao fogo, passaram também a receber adornos. O mesmo processo aconteceu com as roupas. Desde os tempos mais remotos, há nítida demonstração de que as roupas não eram usadas apenas para cobrir e proteger o corpo. Elas adquiriram valores artísticos e estéticos, expressando a criatividade própria das pessoas e de uma determinada sociedade. O clima, na maioria das vezes, pode determinar não apenas o tipo, mas também as cores e até o material usado na Confecção de roupas. Nos ambientes frios, as roupas não só escondem o corpo completamente, como adquirem cores pretas e cinzentas, por serem as que melhor conservam as pessoas  aquecidas. Nos climas tropicais, com fartura de sol, as Vestimentas são brancas ou muito coloridas, além de
possuírem tecidos bem leves. A moda escocesa dos homens se vestirem com saias de lã e grossas meias só tem sentido no clima do norte da Europa. O deserto árido e seco obriga os árabes a se vestirem com grandes blusões de algodão branco; já o clima tropical e úmido da Amazônia leva os índios a andarem nus. Os vaqueiros nordestinos usam gibões de couro, mesmo vivendo sob o sol causticante das caatingas, porque necessitam proteger-se dos garranchos espinhosos da mata. As mulheres bolivianas, de forma igualmente peculiar, vestem-se com várias camadas de roupas para se defenderem do frio andino. Não se pode atrelar qualquer valor moral a essas diferenças; as pessoas não optaram por se vestir de certa maneira em razão de ser moralmente depravadas ou mais santas que outras. Pode-se concluir, deste modo, que a topografia e a vegetação são os fatores que exigem a utilização dos mais diversificados tipos de vestes. Uma sociedade que veste pouca roupa, ou até nenhuma, não sente vergonha de viver assim e não compreende porque outros povos (de clima frio) precisam usar tanta roupa. Quando um europeu observa um africano trajando roupas tão coloridas, ele também acha estranho. No Nordeste brasileiro é muito comum homens calçarem sandálias. Já estive em congressos em que alguns pastores compareceram às reuniões com uma chinela de couro. Esse comportamento seria totalmente inaceitável num congresso de pastores nos Estados Unidos. E. A. Nida, em seu livro de antropologia missionária  Costumes e Cultura,  mostra porque é importante saber respeitar as diferenças culturais no cumprimento do mandato missionário. ...estudos contemporâneos sobre os costumes e os valores estéticos e morais dos tipos de roupas têm concluído que o uso de pouca roupa por parte de certos povos pouco tem a ver com a moralidade de uma sociedade. O que afeta a moralidade de uma sociedade é o desobedecer às leis que determinam quais as roupas que podem e devem ser usadas dentro daquela sociedade. Isso significa que a moralidade de um povo não pode ser medida segundo as leis de nossa sociedade, mas sim, pelas leis particulares de cada sociedade em si. A própria origem da palavra "roupa" fornece algumas pistas  para a compreensão de seu valor cultural. A  Enciclopédia Mirador  mostra que este vocábulo advém do século XII. "De origem portuguesa, 'roba' procede do vocábulo germânico 'rauba', que significa 'saquear, roubar com violência'." Possivelmente as roupas, como despojo de guerra, valorizavam o guerreiro vencedor. As civilizações, portanto, criam roupas e adornos específicos de acordo com os seus parâmetros próprios. Estes, por sua vez,  são consoantes às suas próprias convenções sociais e podem ou não ser apropriados em outras culturas. Há roupas e adornos característicos dos anciãos e das crianças que podem ter relevância numa cultura, mas não significar nada em outra.  Em determinadas tribos, os guerreiros se adornam para uma batalha pintando os olhos com uma cor, enquanto noutras o ornamento de guerra é alguma pele de animal selvagem. No Brasil, por exemplo, os militares possuem diversos tipos de vestes, uma para cada ocasião específica. As noivas, em virtude  da cerimônia do casamento, também se vestem de maneira diferenciada; nossa cultura aceita que uma mulher se case de branco, com grinalda, véu e muito bordado. Porém, se uma mulher se vestir com roupa de noiva e for a uma cerimônia fúnebre, as pessoas certamente irão considerá-la louca, pois, segundo nossos costumes, seu procedimento seria impróprio. Há roupas específicas, inclusive para os sacerdotes. Desde as religiões pagãs da Babilônia, Pérsia, Grécia até as dos índios mais primitivos, criaram-se roupas sagradas para uso exclusivo dos sacerdotes. Na cultura judaica, a indumentária dos sacerdotes foi meticulosamente detalhada no Pentateuco. Em Êxodo 28:1-6, Deus forneceu uma minuciosa descrição de como o sacerdote deveria trajar-se. O próprio texto fornece o objetivo de se usar roupas tão distintas das que usariam os demais judeus: Faze também vir para junto de ti Arão, teu irmão, e seus filhos com ele, dentre os filhos de Israel, para me oficiarem como sacerdotes, a saber, Arão, e seus filhos Nadabe, Abiú, Eleazar e Itamar. Farás vestes sagradas para Arão, teu irmão, para glória e ornamento. Falarás também a todos os homens hábeis, a quem enchi do espírito de sabedoria, que façam vestes para Arão, para consagrá-lo; para que me ministre o ofício sacerdotal. As vestes, pois, que farão são estas: um peitoral, uma estola sacerdotal, uma sobrepeliz, uma túnica bordada, mitra e cinto. Farão vestes sagradas para Arão, teu irmão, e para seus filhos, para me oficiarem como sacerdotes. Tomarão ouro, estofo azul, púrpura, carmesim e linho fino... retorcido, obra esmerada, (grifos do autor). A Igreja medieval tentou imitar o Antigo Testamento e vestiu seus padres com vários tipos de vestes clericais. Havia, também, vestes sacerdotais que distinguiam as hierarquias: o papa, os cardeais, bispos e padres. Na Reforma Protestante, no século XVI, Lutero não reformou a liturgia tão profundamente, de sorte que muitos pastores luteranos continuaram basicamente com os  mesmos paramentos clericais. Calvino, por sua vez, entendendo que a função do sacerdote não era mais sacramentai, resolveu vestir os pastores com as roupas dos juizes. As togas dos pastores deveriam mostrar à congregação que as funções do homem de Deus no púlpito eram de, à semelhança do que faz um juiz com as leis, interpretar e explicar a Bíblia. Até para expressar luto, cada sociedade adota um tipo de traje. No Brasil, devido à influência católica luso-italiana, veste-se de preto para indicar a dor da morte. Alguns anos atrás, exigia-se que as viúvas trajassem roupas negras e fechadas durante um ano; aquelas que violassem esse código social seriam consideradas levianas. Já em Israel, para expressar luto, as pessoas vestiam-se com roupas de saco e sentavam-se em cinzas. Na Índia, as mulheres quando choram os seus mortos trajam-se de branco. Em Israel a cor roxa significava realeza;  mas, no Brasil, durante anos essa foi a cordas casas mortuárias. A cultura é semelhantemente responsável, em qualquer sociedade, pelos códigos comportamentais das pessoas. Criam-se regras  que valem apenas em determinado círculo social. Dessa forma, fica impróprio um ancião vestir-se com as roupas de uma criança, assim como um guerreiro trajar-se do mesmo modo como se casou. Para sabermos se um homem está vestido com roupas de mulher, precisamos ter conhecimento de como a cultura em que ele está inserido determinou o que um homem e uma mulher devem vestir. No ocidente, um homem trajar-se com um camisolão pode significar que ele queira travestir-se de mulher; na palestina, contudo, será identificada apenas a sua tribo. Os cabelos longos e brancos podem representar experiência, daí os juizes europeus usarem perucas quando entram nas cortes. O cabelo raspado é um costume típico dos monges budistas, enquanto os judeus mais devotos não cortam as franjas laterais de seus cabelos.Sendo assim, de acordo com as próprias regras de uma demarcada sociedade, uma vestimenta pode ou não carregar valores morais. E. A. Nida exemplifica: ...uma certa tribo indígena brasileira determina que as mulheres devem usar como roupa um cordão em volta da cintura com outro amarrado na direção oposta. Como brasileiros que so-mos, achamos que isso é muito pouco para cobrir a nudez de uma mulher. Mas dentro daquela sociedade, isso é suficiente. E não é imoral. Os homens não se sentem perturbados por causa daquele cordão apenas. Mas, se uma daquelas mulheres sair para o trabalho sem o cordão, ela estará cometendo um ato grandemente imoral. As roupas nas culturas portuguesa e brasileira. Posso recordar vividamente de um congresso do qual participei como preletor. Eu havia falado na noite anterior e interessei-me muito em ouvir o preletor daquela noite. Ele também desenvolveria o tema do congresso: Santidade ao Senhor. Considerado como um dos bons pregadores da nova geração dos avivalistas brasileiros, interessei-me por ouvi-lo. Porém, bastaram alguns minutos para que eu percebesse o rumo que ele daria ao seu sermão. Exemplificando com a vida da sua jovem esposa que nunca tocara seus cabelos com uma tesoura e jamais havia vestido uma calça esporte, ele redargüiu aos jovens: "Devemos ser santos." A ala conservadora da igreja gritava glória a Deus, mas o meu coração chorou de tristeza. Saí da reunião lamentando o futuro da igreja. Antes de querer agradar os mais conservadores, ele deveria discernir o poder que a cultura exerce sobre nossos comportamentos e saber que nossas raízes portuguesas, indígenas e africanas não são mais pecadoras ou santas que as de qualquer outra nação. Os brasileiros falam, comem, vestem-se e agem de acordo com a cultura brasileira. Tomemos, por exemplo, nosso idioma. Quem já foi a Portugal sabe que o português que falamos aqui é diferente do de lá. Nossa língua sofreu influências aqui que nos levaram a falar diferente de nossos antepassados lusitanos. Os negros africanos nos ensinaram um jeito mais manso, carinhoso de falar. Quando queremos saber de uma criança se um ferimento está doendo, não perguntamos secamente: dói muito? Perguntamos: está dodói? Repetindo a palavra duas vezes, suavizamos o seu sentido e nos comunicamos com ternura. Isso é muito brasileiro. Nossa cozinha também tem um sabor singular. No Nordeste e Norte do Brasil, nossos cardápios têm muita influência indígena. A farinha, a rapadura, a carne-seca vêm da mesa dos nativos. Já na Bahia e em Minhas Gerais, há muito da cultura africana nos pratos. O azeite de dendê, as frituras são dos nossos pais africanos. Já no sul do país, os churrascos têm muita influência dos pampas e da cultura européia que imigrou para o nosso país. Na cultura portuguesa as roupas adquiriram seus valores pela fortíssima influência católica. Durante anos os portugueses trajaram-se de forma bem conservadora. Há pouco mais de cem anos, as mulheres não podiam mostrar o tornozelo, então considerado muito sensual; cobriam-se completamente com saias, anáguas, meias grossas e mangas longas. Os homens trajavam-se de calças compridas (somente crianças vestiam-se de calças curtas), com austeros casacos, fraques e coletes. Enquanto os ingleses, ao viajarem para os países tropicais, vestiam-se de bermudas, os portugueses mantinham-se fiéis ás tradições de se trajarem com roupas que eles mesmos consideravam recatadas. Mas, mesmo mantendo-se conservadores quanto aos seus costumes e tradições, os portugueses sabiam que há roupas neutras, as quais, por não designarem o sexo a que se destinam, podem ser usadas tanto por homens como mulheres (chinelas, blusas, camisetas). Tanto um homem como uma mulher podem calçar chinelas de dedo (tipo japonesa ou havaiana) sem experimentarem constrangimento; todavia, convencionou-se que as sandálias com qualquer tipo de salto são sempre femininas. Nenhum homem sente-se bem ao calçar uma sandália que possua salto alto. Há detalhes que muitas vezes passam até despercebidos: a cultura portuguesa convencionou que as blusas masculinas devem ser fechadas com botões no sentido da esquerda para a direita, ao passo que as blusas femininas devem ser abotoadas no sentido inverso. A cultura brasileira adotou muitos padrões comportamentais do catolicismo português. Os homens, mesmo num clima tórrido, continuam vestindo-se com paletós; as calças curtas ainda significam trajes  infantis, e as mulheres seguem identificando nas longas saias sua feminilidade. Mas a cultura não é estática, ela muda com o passar dos anos. Os brasileiros, depois, passaram a imitar a moda francesa, que na virada do século era o que havia de mais moderno. Após a Segunda Guerra Mundial, entretanto, os americanos passaram a dar o novo tom das vestimentas. O mais típico exemplo são as calças jeans. Desde o século passado, o índigo tem servido para confeccionar as roupas dos trabalhadores rurais da América do Norte. Contudo, elas só se popularizaram como uma vestimenta resistente nos anos cinqüenta, ganhando, a partir daí, o mundo inteiro; tornaram-se as vestimentas globais. Mas por mais forte que tenham sido as influências européia e americana, há um resto de índio e africano em todos nós. Será essa a razão por que temos uma forte inclinação para nos vestir com poucas roupas? Além do calor, esse resquício indígena nos leva a chegar em casa e tirar as roupas pesadas e sóbrias. Procuramos camisetas largas, calções frouxos. Queremos nos sentir mais à vontade. Será que nossos antecedentes africanos não surgem, vez por outra, em nossa indumentária colorida? Essa queda que o brasileiro tem pelo colorido não vem de berço? (Livro "É proibido" Ricardo Godim.

A CULTURA EVANGÉLICA
No meu entender a cultura evangélica é a mesma da comunidade na qual essa ou aquela denominação está inserida. A postura extremamente dogmática de alguns grupos evangélicos têm proporcionado o surgimento não de uma cultura evangélica, mas de uma atitude que expressa algo que podemos denominar de contra-cultura. Isto se configura no fato de que a imposição de certos costumes por parte de algumas igrejas, os quais são justificados sob o pretexto de "Aparthaid evangélico" do mundo profano. Todavia, essa estratégia não sido eficaz  para promover o desenvolvimento espiritual de tais igrejas, como muitos têm pensado. O rigor dos usos e costumes em muitas situações tem sido algo que beira ao ridículo, pois adeptos dessas igrejas seguem tais costumes de forma tão obcecada, que para eles a obediência a tais normas torna-se o fundamento da própria fé. A ênfase a essas práticas na verdade tem promovido a expansão da religião legalista, a qual se proclama   "dona da verdade" e com prepotência condena e demoniza tudo que não for idealizado a partir do seu universo do "sagrado". Dicotomiza a vida em dois planos o "sagrado" e o "profano" (conforme suas próprias concepções), dessa forma confunde manifestações culturais com manifestações espirituais. Precisamos discernimento para tratarmos com elementos de uma cultura, pois neles, certamente estão presentes os maiores sentimentos e anseios dos indivíduos. Uma leitura adequada das culturas nos permitirá desenvolver uma antropologia eficiente que nos dará um conhecimento mais profícuo do Ser humano, o qual é o grande alvo da nossa missão. Desprezando a cultura dos homens estará provocando um distanciamento dos mesmos. Em alguns meios sociais ainda predomina o "Estereotipo" de que todo evangélico é uma pessoa ingênua. Existe uma música que procura expressar essa realidade, por meio do seguinte refrão "Eu sou crente, mas não sou besta não!", isso parece cômico, porém, se encaixa perfeitamente em alguns contextos, pois, o tratamento inadequado dado por alguns evangélicos as questões culturais, fez com que muitas pessoas passassem a julgar  os evangélicos como fanáticos religiosos e indivíduos alienados no âmbito socio-cultural.