sábado, 17 de outubro de 2009

A TEOLOGIA DE LUTERO - PARTE I

BASES DA FORMAÇÃO TEOLÓGICA DE LUTERO.

Lutero foi sem dúvida o principal nome da Reforma (1483-1546). Lutero iniciou seus estudos em Erfurt, em 1501. O acontecimento na vida de Lutero que muito influênciou sua teologia, foi a sua entrada ao mosteiro dos eremitas agostinianos em Erfurt a 17 de julho de 1505, a qual se deu logo após a conclusão do estudo artístico com licentiatura de magister (mestrado). Inicialmente Lutero vai sofrer a influência do occamismo. Os “occamistas” de Efurt eram discípulos do último grande occamista Gabriel biel em Tibingen, o qual naturalmente tinha sua teologia de cunho próprio, e se encontravam em todos os casos com isso indiretamente dentro da tradição occamista. E o próprio Occam, um franciscano procedente da Inglaterra na primeira metade do século XVI, se situa com toda a sua orientação novamente na tradição de toda a escola dos franciscanos. Para esses, em todos os casos desde Duns Scotus, Deus não é como para Tomás de Aquino e toda a sua escola o ser supremo e inimaginável, mas sim a vontade onipotente. Sua onipotência, liberdade e majestade absoluta é que perfazem o caráter divino de Deus, e toda a teologia dos franciscanos é teologia da soberania de Deus. Já a sua doutrina do conhecimento é determina a partir daí. Deus não se torna cognoscível através da razão, com a qual procuramos compreendê-lo, mas pela revelação, na qual ele se nos dá livremente a conhecer. Salvação e bem-aventurança são concedidas àqueles que Deus elegeu para isso através de uma aceitação, uma acceptatio de Deus. No entanto os franciscanos não vêem apenas em Deus a liberdade perfeita. Também o homem é um ente livre. Ele tem todas as possibilidades de fazer o bem e de se fazer digno da aceitação. A doutrina da salvação dos franciscanos, especialmente a occamista, também conta com a liberdade humana e resulta num dramático conflito entre liberdade de Deus e a liberdade do homem. Não é bem claro de que maneira reage interiormente a pessoa que se deixa atingir pessoalmente pelas sentenças teológicas occamistas. Occamismo também foi muitas vezes sentido como um caminho bastante seguro para ser aceito. Provavelmente Lutero quis trilhar esse caminho seguro, afligido pelo seu estado presente, mas colocando suas esperanças nas boas obras, através das quais ele haveria de se tornar perfeito e digno da aceitação por parte de Deus. Em todos os casos, a teologia occamista, na medida em que ela já influência o estudante de Filosofia Lutero, deve ter sido por ele interpretada de modo incomum para a esfera pessoal; e com isso já nos encontramos novamente no campo da personalidade, - Por menos que possamos jamais enxergar os detalhes, Lutero deve tido uma luta religiosa interior.

É evidente que como um sacerdote, Lutero iria receber uma formação teológica de acordo com os princípios da sua ordem. Sobretudo a obra de Gabriel Biel sobre o cânone da missa, ou seja as orações que antecedem o sacrifício, Lutero que estudar a fundo. Mas um estudo teológico propriamente dito não era uma condição para a ordenação ao sacerdócio, e podia se seguir a essa. Assim se deu com Lutero. Estudar teologia significava aprofundar-se num determinado número de obras teológicas. Nós sabemos com bastante precisão quais foram as obras que Lutero estudou e podemos supor que ele realmente as assimilou em grande parte. Lutero era dono de uma brilhante memória; e para uma época, em que o número dos livros a serem lidos era bastante menor que hoje, podemos contar de um modo geral com um grau de assimilação literal que hoje não mais conhecemos. Com certeza Lutero estudou profundamente as seguintes obras teológicas: As sentenças de Pedro Lombardo, e como comentários das mesmas o assim chamado Colletaneum de Gabriel Biel e as Quaestiones de Guilherme de Occam e as de um teólogo da época do Concílio de Constança, Pierre d’Ailli, e, para a interpretação da escrita, a Glossa Ordinária (atribuída a Walahfrid Strabo, do nono século). Como a pesquisa católica fez questão de salientar, estas são todas elas obras da escolástica posterior, nominalista, exceto naturalmente o comentário bíblico mencionado por último e as Sentenças do bispo parisiense Pedro, chamado o Lombardo, as quais foram escritas já no século XII, antes do surgimento dos grandes sistemas escolásticos. Mas ao que tudo indica, as Sentenças, usadas em toda parte, já havia séculos, como livro de doutrina dogmática, se tornaram conhecidas e familiares a Lutero dentro da interpretação nominalista. Mesmo assim dificilmente se poderá sustentar a tese católica de que Lutero não teria conhecido de maneira alguma o catolicismo clássico da Alta Escolástica, mas sim uma distorção que dificilmente ainda era católica, ou seja o nominalismo. Por um lado, até hoje o nominalismo ainda não foi condenado por mais prioridade que se dê a Tomás de Aquino; por outro mesmo não havendo certeza se Lutero então já pode estudar a “Summa Theologiae” de Tomás de Aquino, ele ao menos chegou a conhecer a Tomás, Duns e Alexandre de Hales, e hoje está se evidenciando que o personagem mais recente do nominalismo, representado por Gabriel Biel em Tubigen (1495). Talvez já teria assumido novamente uma coloração tomista. O conhecimento da escolástica por parte de Lutero não foi nem permaneceu unilateral. Ao estudo de livros se acrescentava a obrigação de ouvir preleções na universidade e no estudo geral da ordem do mosteiro. Nas preleções eram novamente lidos livros, intercalando-se ocasionalmente explicações. Havia ainda uma tarefa que se atribuía ou podia ser atribuída ao estudante de teologia. Se ele tinha concluído bem o seu estudo artístico, ele era graduado, ou seja, ele se tornava bacharel e depois Magister artium. Com isso, porém, ele tinha o direito de ensinar nos estudos artísticos. Numa faculdade ele ensinava, noutra ele estudava. Desse direito Lutero fez uso durante seus anos no convento. Sim, até aconteceu que a ordem simplesmente o transferiu para Wittenberg. Ali havia uma universidade recentemente fundada, na qual a ordem tinha que preencher várias cadeiras. Em 1508 o jovem Lutero teve que assumir uma cadeira de filosofia moral na idade de 25 anos, se bem que por um tempo relativamente curto. Alí ele teve que dar preleções sobre a Ética Nicomaquiana de Aristóteles.

A INFLUÊNCIA DE AGOSTINHO NA TEOLOGIA DE LUTERO

Lutero apoiou-se muito em Agostinho. Em seus primeiros anos, como regra geral, identificava sua posição com a de Agostinho. Foi o ensinamento agostiniano de pecado e graça que Lutero deseja manter em oposição à doutrina da escolástica sobre justificação. Isso também foi decisivo no que tange à relação entre Lutero e o ocamismo.

A doutrina da predestinação impregnava fortemente os temores de Lutero no convento. Lutero sabia haver pessoas que, em virtude de imperscrutável decisão de Deus, estavam pre-determinadas para a bem-aventurança, e outras para a condenação. Lutero sentiu de modo angustiante, temporariamente até medo arrasador, que ele poderia estar entre os condenados. O medo de Lutero era medo da predestinação. Aquilo que ele observava e sentia em si mesmo ele acreditava ser um sinal de que ele estaria condenado. “Horrível medo me assaltou, ao desespero me levou, lançando-me ao inferno” – essas palavras de seu hino composto muito mais tarde (possivelmente me 1523; “Cristãos, vós todos jubilai”) se referem a sua terrível experiência da época do convento. É impossível dar uma explicação resumida e conclusiva que esclarecesse tudo nessa catástrofe interior de Lutero. É de Agostinho que a igreja recebeu a doutrina da predestinação efetuada por aquele Deus que através de soberana decisão divino concede a uns a graça irresistível, destinando-os à bem aventurança, enquanto que deixa os outros a sós, à mercê da perdição. O medo da predestinação de saída faz pensar em influência de Agostinho. – Apesar dessas explicações que de modo algum explicam tudo, mas apenas conseguem esclarecer certos contextos, é difícil chegar a resultados claros, uma vez que não se consegue localizar a época em que Lutero começou a ter esses temores, tampouco quando ele começou a se profundar em Agostinho. Observações da mão de Lutero à margem de textos de Agostinho nós possuímos do ano 1509. Mas isso não ajuda muito. Nós precisamos nos contentar com a constatação de que o Occamismo e Agostinho também desempenharam um papel muito importante não só na formação do monge Lutero, como na formação do Lutero teólogo.

Como é sabido Agostinho foi fortemente fecundado pelo neo platonismo, e sua teologia é um dos portões de entrada do pensamento neoplatônico no pensamento cristão. Esquemas de pensamento como mundo superior e inferior, eterno e terreno em Lutero provêm de Agostinho ou mesmo do neo-platonismo. Seja qual for a validade da tese do elemento neoplatônico-agostiniano na primeira preleção sobre os Salmos, em todos os casos é necessário perguntar se a teologia de Agostinho prestou serviços de obstreta em seu renascimento. Esse certamente foi o caso. Como occamista, Lutero cresceu numa concepção do mundo que deduz tudo da vontade e juízo de deus, tanto o pecado do homem como também a graça que lhe é concedida. Pecado significa em primeiro lugar que Deus está irado com uma pessoa, e graça, que deus lhe proporciona sua bondade misericordiosa ou que aceita suas boas obras. Bom e mau não são qualidades do homem, mas conceitos que Deus dá sobre a pessoa. Aquilo que a pessoa é, ele é pelo juízo de que Deus dela faz. Para a conceituação sobre o homem pecador isso podia tornar-se perigoso. O homem que é repudiado perante Deus talvez pode, desconsiderando-se uma vez esse julgamento de Deus, ser moralmente muito valioso e bem sucedido, só que ele não pode alcançar totalmente benevolência desse Deus enigmático. Também é nisso que resulta a doutrina occamista sobre o homem: O homem faz aquilo que está dentro de si. Desenvolve todas as suas boas potencialidades; aproveite a graça – e então Deus também haverá de modificar seu conceito e lhe concederá sua benevolência. Em contraposição à concepção occamista do homem pecado, Lutero desenvolveu uma antropologia própria e bem diferente. Ele tem uma concepção bem inoccamista do pecado. Pecado não é apenas um conceito atribuído por Deus, mas uma corrupção muito profunda, um dano terrível. Esse fato do ser o pecado algo tão terrível, um acorrentamento ao egoísmo, Lutero experimentou no convento. Mas ele podia ter aprendido de Agostinho .

ASPECTOS GERAIS DA TEOLOGIA DE LUTERO

De que maneira devemos compreender Lutero como teólogo? O corpus luterano contém muitos gêneros diferentes de escritos: comentários, catecismos, tratatados polêmicos, controvérsias, hinos, sermões, cartas pessoais, a Conversa de Mesa, etc. Em nenhum deles, entretanto, há algo que remotamente se assemelhe a uma teologia sistemática. Mesmo a Confissão de Augsburgo, pela qual Lutero foi apenas parcialmente responsável, fornece afirmações teológicas específicas, não um sistema doutrinário completo. Os escritos de Lutero são invariavelmente contextuais, ad hoc, dirigidos a situações particulares, com metas definidas em mente. Isso não significa que a teologia de Lutero era casual, nem que não havia temas gerais e padrões em seu pensamento. Entretanto, devemos deixar os temas emergirem das próprias preocupações primordialmente pastorais de Lutero, em vez de impor nossa estrutura sobre ele. Para fazer isso, será bastante útil examinar o enfoque teológico básico de Lutero. O qual podemos descrever sob o aspecto de três características constantes. A teologia de Lutero era ao mesmo tempo bíblica, existencial e dialética.

Lutero era um teólogo essencialmente bíblico. Isso pode significar simplesmente que ele era um professor de exegese, sobretudo do Antigo Testamento, na Universidade de Wittenberg. Em termos mais amplos, contudo, isso significa uma ruptura radical com o currículo padrão da teologia escolástica e uma reorientação da teologia ao texto bíblico.

Lutero instrui-se completamente na tradição nominalista da baixa Idade Média. Em certos tópicos, tais como a questão dos universais, Lutero continuou sendo um expoente da via moderna, mesmo após seu aparecimento como reformador. Entretanto, bem cedo em sua carreira, quando ainda um Sententarius, Lutero revelou um profundo ceticismo acerca do valor da atividade teológica: “A teologia é céu, sim, mesmo o reino dos céus; o homem, entretanto, é terra, e suas especulações são fumaça”. A percepção de Lutero com respeito ao abismo intransponível entre a teologia e as “especulações” humanas intensificou-se à medida que ele mergulhava mais profundamente nos textos bíblicos. A partir de 1515, ele se referiu aos nominalistas com “teólogos-porcos”. Em setembro de 1517, aproximadamente dois meses antes da explosão da controvérsia das indulgências, Lutero resumiu seu ataque contra a teologia escolástica num disparo contra Aristóteles:

É um erro dizer que homem não pode tornar-se teólogo sem Aristóteles. A verdade é que não pode tornar-se teólogo sem se livrar de Aristóteles. Em resumo, comparado com o estudo da teologia, o todo de Aristóteles é como a escuridão para a luz.

Lutero não tinha nada contra Aristóteles em si. O que ele rejeitava era todo o esforço da teologia escolástica de fazer da filosofia Aristótelica a pressuposição da doutrina cristã, de interpretar a revelação bíblica relativamente à “sofística” pagã,de reduzir os grandes temas das Escrituras – graça, fé, Justificação – à algaravia escolástica. No espírito de Tertuliano, Lutero perguntava o que Jerusalém tinha a ver com Atenas, a igreja com a academia, a fé com a razão.

Para lutero Lutero, no campo da verdadeira teologia, a razão funcionava apenas expost facto, ou seja, como princípio ordenador pelo qual a revelação bíblica era claramente apresentada. A razão iluminada, a razão incorporada ã fé, poderia assim “servir a fé ao pensar sobre alguma coisa”, porque a razão informada pelo Espírito Santo “extrai todos os seus pensamentos da Palavra”. Isso deve ser firmemente lembrado quando ouvimos a famosa declaração de Lutero em Worms: “A menos que seja condenado pelas Escrituras e pela razão simples, não posso e não irei me retratar”. A razão não era uma fonte independente de autoridade paralela às Escrituras – sua consciência ainda estava “cativa à Palavra de Deus”- mas meramente a inferência necessária das próprias Escrituras. Lutero não depreciava a racionalidade humana; ele até mesmo conferiu à razão redimida uma tarefa funcional no trabalho da teologia. O que ele realmente rejeitou como teólogo bíblico foi a arrogância da razão, que, na teologia escolástica, tirou a primazia da revelação.

Quando chamamos Lutero de teólogo existencialista, queremos dizer que, para ele, o interesse por Deus era uma questão de vida ou morte , envolvendo não apenas o intelecto de um homem, mas sua existência como um todo. Para Lutero a teologia era sempre intensamente pessoal, experiencial e relacional.

2 comentários:

  1. Paz do Senhor!!!Obrigado por ter aceitado-me como seguidor de seu Blog!Quero estar sempre visitando para ler novidades. Deus te abençõe!

    ResponderExcluir
  2. Paz Senhor, Que o em Senhor ti faça prosperar em tudo.

    ResponderExcluir