A
existência humana é marcada por altos e baixos, isto é, por sucessos e
fracassos. Na experiência da fé o sucesso individual ou coletivo está
diretamente relacionado a capacidade humana em entender e submeter-se a vontade
de Deus. No Salmo primeiro temos uma perfeita noção dessa realidade. Em maior parte os momentos de crise
vivenciados pelo povo de Deus, conforme registrado no Antigo Testamento através
relato na história do povo Hebreu, ocorreram como resultado da desobediência e
pecados cometidos pelo povo de Deus num contexto geral. Todavia, nem sempre as
crises que homens e mulheres crentes enfrentam são geradas pelos seus
próprios erros. Nesse contexto as crises se constituem em grandes oportunidades
para testarmos a nossa própria determinação, a nossa capacidade de
perseverarmos sem jamais aceitarmos a decretação miséria. Como nos diz salmista
no Sl 20.8 “uns se encurvam e caem, mas nós levantamos e estamos de pé”. Os que se encurvam são aqueles que desistem
quando a crise apresenta a sua verdadeira face, perdem a esperança, entregam as
armas e assumem a fatalidade da derrota. A fé em Deus proporciona uma esperança
ilimitada, e uma capacidade para se enxergar possibilidades além de qualquer
previsão humana. Aquele que tem fé ainda que venha cair, mesmo assim encontrará
forças para levantar e continuar de pé para enfrentar a crise com postura,
integridade, fibra de caráter e esperança na certeza de que dias melhores hão
de chegar. A nossa primeira lição do último trimestre/2011 traz uma abordagem sobre um desses momentos críticos vivido pela nação judaica alguns anos após o exílio babilônico. Tudo
começa quando um hebreu chamado Neemias, provavelmente um descendente de uma
família da nobreza judaica e também da linhagem davídica, que estava a serviço
do Rei da Pérsia, Artaxerxes I, recebeu uma comitiva de Judeus oriundos de
Jerusalém que lhe trouxeram notícias sobre a caótica e decadente situação em
que se encontrava a cidade de Jerusalém.
CONTEXTO
SOCIAL E POLÍTICO RELACIONADO COM O “PROJETO NEEMIAS”
Os
dois primeiros capítulos do livro de Neemias introduzem o “projeto de Neemias”
; reedificar a cidade de Jerusalém (Ne 2.5). O texto de Ne 1-2 forma um pequeno bloco literário e de
conteúdo coeso dentro do livro de Neemias. A maioria dos estudiosos entende que
o texto é composto por duas partes perfeitamente relacionadas, cujo o tema
principal é o estado e destruição de Jerusalém. Falar de programa de
reconstrução de Jerusalém e reorganização de Judá não significa dizer que houve
um programa com metas estabelecidas que se queria atingir; significa muito mais
descrever o processo dentro do qual Judá foi sendo reorganizado. Ao que parece,
esse processo foi deveras complicado. Não se pode esquecer também que o período
entre a destruição de Jerusalém e a reconstrução de seu muro foi de quase um
século e meio. É importante ficarmos cientes que no período exílico, Judá não
era um “deserto populacional” como alguns pensam. Segundo algumas pesquisas, a
população de Judá nesse período girava em torno de 180.000 habitantes. Conforme o Livro
de Esdras, já no primeiro ano após a conquista da Babilônia (538 a. C.), Ciro
autorizou o retorno dos exilados e a reconstrução do templo de Jerusalém. O
ponto inicial para o processo da volta dos exilados foi a promulgação do Edito
de Ciro, cuja a variante do texto aramaico se encontra em Ed 6.3-5. São
mencionados vários grupos que retornaram do exílio. Ainda de acordo com
estudioso Kreissig, na metade do V a. C. a população de Judá já contavam com
aproximadamente 210.000 pessoas, correspondendo a uma densidade demográfica em
torno de 130 habitantes por Km quadrado. A descrição do estado de Jerusalém por
ocasião da chegada de Neemias parece evidenciar que a cidade e o templo foram
restaurados em períodos diferentes, de modo que faz sentido encontrar
diferentes tradições acerca de pessoas que reedificaram o templo (Ed 1 e 3). Os
livros dos profetas Ageu, Zacarias e Malaquias parecem revelar que o interesse
de reconstrução em Jerusalém, nas primeiras décadas, foi muito mais no âmbito
particular. Isso a tal ponto que Ageu critica severamente tal comportamento: “Acaso
é tempo de habitardes vós em casas apaineladas, enquanto esta casa permanece em
ruínas?” (Ag 1.4). Quando Neemias chegou a Jerusalém em 445 a. C., ainda
encontrou a cidade de Jerusalém em situação desoladora. Os muros estavam
destruídos a cidade em situação desoladora. Os muros estavam destruídos e o
portões queimados (Ne 1.1-13). Todavia, mesmo após a reconstrução dos muros, a
cidade ainda estava quase desabitada (Ne 7.4). Tudo parece indicar que ela
voltou a ter uma vida ordinária, mas que de certa forma Jerusalém ainda não
havia se tornado um pólo próspero e atrativo até a metade do V século a.C.
Um
pouco antes da atuação de Neemias, a dinastia aquemenida tinha estado envolvida
com assassinatos na disputa pelo trono. Xerxes (486-465 a.C.) fora asssssinado
em 465 a.C., quando assumiu seu filho, Artaxerxes I (465-424 a.C.). Para galgar
o trono, ele teve que mandar eliminar os seus irmãos. Quando Neemias chegou a
Jerusalém em 445 a. C., pobreza e penúria reinavam na cidade. A partir do livro
do profeta Malaquias são conhecidos alguns males morais e cultuais da vida
comunitária. Algumas pesquisas têm chegado a conclusão de que a indicação de
Neemias para a reconstrução do muro foi favorecida por uma forte motivação
política, tendo em vista a ocorrência de revoltas em algumas Satrapias, o
império buscava uma situação mais
estável ou mais eficácia da administração persa em Judá. Talvez o rei achasse
sensato reconstruir Jerusalém, a fim de ter um pequeno forte ao sul de Judá.
Além do mais, era muito importante que na Judéia houvesse um súdito leal a ao
rei, considerando-se as recentes rebeliões havidas. A grande maioria dos estudiosos vincula a
destruição mencionada em Ne 1.2-3, de uma outra maneira, com o relato de Ed.
4.23. Os acontecimentos narrados em Ed 4.7-23 devem ser datados nos primeiros
anos do reinado de Artaxerxes I. Neste período os habitantes de Samaria e os
funcionários persas de Samaria procuravam dificultar a reconstrução de
Jerusalém, especialmente do muro. A partir de Ed. 4.23 e de Ne 1.1, Schneider
entende que inclusive uma parte da cidade, que havia sido restaurada, foi
novamente destruída com violência e fogo. Para ele, a situação relatada pelas
pessoas que vieram de Judá é conseqüência do mais recente decreto de Artaxerxes
I (Ed 4.17-23), que determinou a interrupção da obra de restauração de
Jerusalém. Outros estudiosos também concordam que a destruição relatada para Neemias deve ter tido lugar algum tempo após a missão de Esdras.
A ORAÇÃO
É O PRIMEIRO RECURSO DE NEEMIAS
Neemias
estava vivendo em uma situação muito confortável e de muito status político e social. Na nossa compreensão, conforme os nossos padrões
profissionais, a profissão de copeiro, ainda que fosse do presidente da
república, nunca seria encarada como um alto posto nos dias atuais, porém, naquele
contexto a situação era bem diferente. O copeiro o rei era uma pessoa de sua
extrema confiança, pois, ele era o responsável para impedir que o rei viesse a
ser envenenado, participava de grande parte da privacidade do rei e muitas vezes
se tornava confidente dele, o que nos parece ter sido o caso de Neemias. O fato de Artaxerxes questionar Neemias
sobre a angustia que ele expressava por meio do semblante, demonstra que o rei
tinha uma certa afinidade por ele, pois, geralmente os reis persas se mostravam
indiferentes aos problemas sentimentais dos seus súditos e não costumavam
misturar problemas pessoais com profissionais. A função de copeiro rei era tão
importante, que alguns deles, muitas vezes exerciam paralelamente
a essa função, altos cargos na administração pública, a semelhança de um ministro de estado. A
abertura da oração de Neemias tem um paralelo com Dn 9.4. A linguagem deuteronomista perpassa toda a
oração. Ela indica que Neemias era bem versado nessa linguagem e um estudioso
das Escrituras, do contrário não poderia usar o AT tão livremente, como se pode
perceber também em outras partes do livro (Ne 13.10,12,15). Neemias introduz a
oração, não para comprovar sua piedade, mas para levar à presença de Deus toda problemática da qual tomou
conhecimento. Neemias expressa sua fé quando recorre à oração. Ele reconhece
que Deus é “grande e temível”, único e universal, é o Deus dos céus”. Todavia,
o Deus que terá misericórdia dos que estiverem prontos ao arrependimento.
Neemias se atém, assim, á promessa de que Deus é fiel àqueles que permanecem
fiéis ao Senhor e mantém a sua aliança. É na lembrança dessa promessa que
Neemias baseia sua esperança: Deus ouvirá sua oração. Miséria e exílio são conseqüência
da ira divina. Neemias invoca Deus, pedindo sua atenção (v.6) e
apresentando-lhe a confissão de pecados, dos seus próprios e dos seus irmãos (VV.
6-7). No reconhecimento de que a pessoa só pode estar diante de Deus depois de
confessar sua culpa, o primeiro conteúdo concreto da oração é a confissão de
culpa. A auto-inclusão de Neemias nessa confissão demonstra sua honestidade.
Após a confissão de pecados, segue-se o pedido de fato: Deus havia anunciado o
exílio como castigo para a quebra da fidelidade, mas também havia prometido
salvação aos arrependidos (Dt 30.1-5). Neemias está apelando para a promessa de
Javé. O apelo de Neemias é um apelo à misericórdia de Deus. A situação de Judá mostra
que Deus cumpriu sua palavra, quando disse que puniria o povo se este
persistisse no pecado. Neemias vê essa condição calamitosa de Judá como
indicação do poder de Deus (Jr 18.6). Dessa forma, ele defende que Deus é
igualmente capaz para restaurar a sorte de Judá, desde que haja sinais de
arrependimento. No final da oração, Neemias volta a invocação inicial de que
Javé lhe ouça a oração, mas agora com um aspecto muito concreto: que ele,
Neemias, encontre um ouvido aberto da parte do rei. O pedido de que “seja
bem-sucedido hoje o teu servo” (v.10) deve se referir aos planos de Neemias de
reconstruir Jerusalém; que Neemias tenha
sucesso no seu arrependimento de pedir ao rei que lhe dê autorização para
reedificar Jerusalém. Neemias sabe muito bem que sua vida estará nas mãos do
rei quando fizer o pedido. Fazer tal pedido diante do rei poderia ser altamente
perigoso, mesmo para alguém que era protegido por ele, pois Artaxerxes I
poderia entender o pedido de Neemias como uma afronta. Sabe-se que os reis do
Antigo Oriente eram muito temperamentais, e suas reações muito imprevisíveis. O
livro de Ester mostra que,afinal, é sempre um risco de vida chegar diante do
rei (Et 4.11-16). Mas Neemias sabe que Deus é soberano, Senhor da história. E
assim, nesse contexto da oração, ele pode usar a expressão “este homem” para
designar o rei. Esta expressão não é tão anormal se se considerar que ela está
sendo usada em oração diante de Deus, perante o qual o rei não passa de uma
pessoa qualquer que também pode ser conduzida pela vontade de Deus.Por isso, a
última decisão final será dada pelo Senhor da História!
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