quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A FALTA QUE FAZEM OS PROFETAS - Pr. RICARDO GONDIM


A Falta que Fazem os Profetas
Confesso que não gostava de ler os profetas da Bíblia. Sempre os considerei rígidos demais, exageradamente metafóricos e confusos. Em meus primeiros anos como cristão, não sabia situá-los historicamente. Lê-los me entediava. A primeira vez que senti simpatia pelos profetas foi quando vi-me desafiado a enxergar o coração paterno de Deus nas páginas do Antigo Testamento e, assim, reli toda a Bíblia. Recordo-me da minha alegria quando percebi, pela primeira vez, que a saga bíblica resume-se em mostrar um pai em busca de seus filhos. Entendi a profundidade da interpretação que os antigos rabinos de Israel davam ao dilúvio. Afirmavam que depois de Jeová insistir cento e vinte anos com os seus filhos, viu a dureza de seus corações, chorou por quarenta dias e quarenta noites e suas lágrimas cobriram a terra. Aprendi sobre a paciência e longanimidade divina em tolerar momentos históricos perversos. Consegui, finalmente, estudar os profetas sem considerá-los grosseiros. Mas me apaixonei mesmo pelos escritos dos profetas quando li Abraham J. Heschel, rabino que se tornou notório por sua abordagem sobre o coração amoroso de Deus em meio a um judaísmo inclemente. Seu livro The Prophets é um libelo da literatura judaica. Heschel apresenta-nos os profetas, mostrando que eles não foram meros microfones que amplificavam e decodificavam o falar de Deus, mas gente inserida na cultura, com temperamento e individualidade. A tarefa do profeta não se resumia em transmitir o ponto de vista divino. Ele encarnava o coração de Deus. O profeta em Israel não vaticinava apenas. Ele era também poeta, pregador, patriota, crítico social. Sempre iniciava suas profecias com juízo, mas sempre as concluía com esperança e redenção. O profeta não repetia jargões, não perpetuava o que já fora dito, mas pensava fora dos paradigmas. Não era convencional. A mágica de suas palavras vinha de sua intuição, de seu inconformismo e da largura de seus anseios. Inúmeras vezes a linguagem do profeta foi hiperbólica. O exagero era uma maneira de mostrar sua angústia, seu desespero de não se acovardar diante do iminente fracasso nacional. Meu apetite pela leitura dos profetas fez nascer em mim o desejo de vê-los entre nós. Entendo que o ministério profético com autoridade canônica foi até João Batista (Mt11.13). Sei também que o dom carismático da profecia (1 Co 12) resume-se à função tríplice que Paulo nos deu em 1 Coríntios 14.3 — edificar, exortar e consolar. Entretanto, o ministério profético que desejo não é um título ou cargo, acho que é uma paixão. Sinto que a igreja evangélica brasileira tem bons evangelistas e excelentes estrategistas eclesiásticos, e que já demonstramos alguma maturidade teológica, mas ainda somos carentes de líderes com a verve profética. O movimento evangélico brasileiro necessita de homens como Martin Luther King Jr., um dos mais autênticos profetas do século XX. Sua vida, tantos anos depois de sua morte, continua impressionando pela coerência, bravura e profundo compromisso com os valores do reino de Deus. Li sua autobiografia e confesso que senti o meu coração desafiado por esse homem que viveu, falou e lutou como um profeta para os americanos, mas cuja vida inspira todas as nações. King Jr. nasceu em 15 de janeiro de 1929 em Atlanta, Geórgia, e foi ordenado pastor batista em 25 de janeiro de 1948. Quando assumiu a igreja que seu pai pastoreava, a Dexter Avenue Church, em Montgomery, Alabama, decidiu que jamais se curvaria às leis segregacionais do sul dos Estados Unidos. Nessa cidade, aconteceu o grande boicote às companhias de ônibus. Rosa Parks, uma costureira de 42 anos, recusou-se a ceder seu lugar em um ônibus a um homem mais jovem que ela e foi presa. Organizou-se um movimento na cidade e King Jr. foi eleito por unanimidade o seu presidente. Depois de várias vezes preso, de sofrer atentados com uma bomba que foi jogada na varanda de sua casa em 27 de janeiro de 1957, ele passou um mês na Índia, aprendendo os princípios da não-violência usados por Ghandi na resistência ao imperialismo britânico. Aplicou-os nos Estados Unidos e conseguiu vencer a tirania e o ódio com o amor. Em 28 de agosto de 1963, King Jr. subiu os degraus do Memorial de Lincoln para fazer o seu mais famoso discurso, I Have a Dream (Eu tenho um sonho). Sua voz ecoou por todo o mundo enquanto a paixão de um profeta se derramou por seu povo. Era o coração de Deus que pedia que os homens não fossem julgados pela cor de sua pele, mas pelos conteúdos do caráter. Sua vida impressionou tanto que, em 10 de dezembro de 1964, ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Juntei alguns de seus pensamentos, os quais reproduzo aqui para que notemos a falta que os profetas fazem. Homens e mulheres vivendo em comunidade: "Quando o indivíduo não é mais um verdadeiro participante e não percebe sua responsabilidade para com sua sociedade, os conteúdos da democracia se esvaziam. Quando a cultura se degrada e a vulgaridade é entronizada; quando o sistema social não constrói segurança, mas induz o medo, inexoravelmente o indivíduo é impelido a se isolar completamente desta sociedade sem alma. Este é o processo que produz alienação — talvez a mais insidiosa característica da sociedade contemporânea." A grandeza dos ideais: "A medida de um homem não se afirma em tempos de conforto e conveniência, mas repousa nos seus posicionamentos em tempos de desafios e controvérsias." "A coragem encara o medo e, portanto, dele se assenhora. A covardia reprime o medo e, portanto, dele se torna escrava. Homens corajosos nunca perdem o elã pela vida mesmo que a situação que vivam seja sem brilho; covardemente, homens esmagados pelas incertezas da vida perdem o desejo de viver. Devemos constantemente erguer diques de coragem para deter as inundações do medo." O próximo: "A maioria daqueles que vivem na América rica ignora os que vivem na América pobre; ao fazerem isso, os ricos americanos terão de eventualmente enfrentar a pergunta que Eichmann preferiu ignorar: 'Qual a minha responsabilidade pelo bem-estar do meu próximo?' Ignorar o mal é tornar-se cúmplice dele." Deus e a religião: "A ciência investiga; a religião interpreta. A ciência fornece o conhecimento que dá poder; a religião fornece a sabedoria que dá controle. A ciência lida com os fatos, a religião lida primordialmente com os valores. As duas não são rivais. Elas se complementam. A ciência ajuda a religião a não cair no vale paralisante da irracionalidade e do obscurantismo. A religião previne a ciência de despencar no pântano do materialismo obsoleto e do niilismo moral." Em 4 de abril de 1968 uma bala assassina silenciou esse profeta de Deus. Contudo, sua vida continua inspirando milhões de homens e mulheres. Martin Luther King Jr. não pode ser esquecido pela geração evangélica deste novo milênio. Que ele nos inspire a desejar mais profetas na igreja. Precisamos de homens e mulheres que não nos deixem acostumados com a ordem natural das coisas. Precisamos de gente cuja voz troveje ira contra a iniqüidade e a injustiça, mas que nunca fale sem a ternura de Deus. Que o mote de King Jr. — I have a dream — ecoe entre as paredes das igrejas, para que nunca deixemos de sonhar em tempos de imediatismos. Jesus mandou que orássemos pedindo mais obreiros para a sua seara. Minha prece é que Ele envie mais profetas.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

AS BASES DA TEOLOGIA CONTEMPORÃNEA


AS ORIGENS DA TEOLOGIA CONTEMPORÃNEA

As profundas transformações científicas e culturais ocorridas no século XVIII, transformaram completamente as condições, sob as quais, se pensava e se fazia teologia. As raízes do Iluminismo se encontram no humanismo, no socialismo e no deismo. Tudo isso com base na filosofia de descartes, Leibnitz e Loocke. As mudanças sociais, políticas, filosóficas e científicas, aconteceram de modo tão rápido que as velhas estruturas, perderam o controle, até mesmo a igreja. A visão metafísica da realidade, foi substituída por uma visão empírica e atomística. Com isso, o mundo espiritual, centrado em Deus, cede lugar a um mundo material, centrado, centrado nas leis da natureza. A filosofia deixa de ser serva da teologia, para assumir uma postura analítica e crítica da sociedade. A educação é liberada da influência da teologia escolástica, passando a basear-se em princípios racionais. A influência do Iluminismo sobre a teologia produz o conceito de religião natural, que considera Cristo um mestre, sábio entre os homens, no lugar de considera-lo a encarnação a encarnação de Deus, conforme a teologia dogmática. Em oposição ao Iluminismo, a igreja, tanto na confissão católica, quanto na confissão protestante, desenvolveu a cultura das confissões de fé. Com isso, a secularização desenvolveu uma cultura das confissões à parte e fora do controle da igreja. A teologia tornou-se dependente da filosofia e do pensamento racionalista. Paralela à racionalização da teologia, surge uma tendência de moralização do cristianismo fora dos cânones da religião organizada. Desse modo, a principal característica da teologia iluminista foi a tendência de humanizar o cristianismo, acomodando-o numa estrutura antropocêntrica.

O ILUMINISMO

foi um movimento filosófico racionalista , científico e político iniciado na segunda metadE do século XVII e que dominou a Europa durante todo o século XVIII. Fundamentava-se em bases racionais e otimistas assentadas pelos pensadores da revolução intelectual do século XVII. A filosofia do Iluminismo, tal como expressa nas obras e popularizadores, incluía entre seus princípios basilares as seguintes idéias e assertivas:

O lugar dos homens e mulheres no universo. Os homens e mulheres não eram mais tidos como a explicação para a existência do universo, tal como no ideário teológico do período medieval. Ao invés disso, eram considerados apenas como um dos elos numa cadeia de seres, ordenada racionalmente, que abrangia todos os seres vivos. Contudo, o fato de estarem submetidos a um ordenamento universal de modo algum os tornava impotentes ou destituídos de objetivo.

Atitudes com relação a Deus e à religião organizada. Um universo racionalmente ordenado, sujeito a leis invariáveis, excluía a existência de um Deus pessoal, que pudesse intervir, através de milagres, para contradizer essas leis. Se Deus realmente existia, como acreditava à maioria dos filósofos do Iluminismo, era simplesmente como uma causa primeira, a forma que criado as leis, que as pusera me movimento e que garantia se contínuo funcionamento. Os que se atinham a essa concepção chamavam a si próprios deístas. Atacavam os fundamentos bíblicos do cristianismo, submetendo a Bíblia a uma crítica erudita e depois sustentando que o relato bíblico não passava de mitologia. Aliaram-se a um grupo maior de críticos, denunciando as religiões institucionalizadas como instrumentos de exploração, imaginados por patifes e tratantes, a fim de poderem tirar proveito das massas ignorantes. Rejeitavam como inúteis as orações e sacramentos do cristianismo organizado; Deus, argumentavam, não pode ser persuadido a desprezar a lei natural em benefício desta ou daquela pessoa. Condenavam como perniciosa a doutrina do pecado original. Homens e mulheres dispõem de liberdade e de aptidão racional para escolher entre o bem e o mal; a idéia de que alguns estão predestinados à salvação e outros para a condenação nega à humanidade a dignidade com que sua razão a dotou.

Ênfase nos assuntos e preocupações deste mundo. A substituição de modelos divinos de comportamento por modelos terrenos era parte de um movimento mais amplo, característico do Iluminismo, que acentuava a importância de se compreender rigorosamente o mecanismo deste mundo, ao mesmo tempo em que se descartava, por incognoscível ou inconcebível, a existência de algum mundo celestial vindouro.

O RACIONALISMO

Durante o Iluminismo, acentua-se o impulso racionalista que assaltava a teologia protestante no período escolástico: agora não se contenta mais em provar a racionalidade da fé demonstrando que as verdades reveladas se harmonizam com os cânones da razão, mas também submete a Revelação ao tribunal da razão,dando a esta o dever de purifica-la de todos os elementos sobrenaturais.

A passagem do racionalismo escolástico ao racionalismo iluminista foi gradual. O primeiro momento da Revelação bíblica, valendo-se dos mesmos argumentos que a Ortodoxia invocava anteriormente. Esta afirmara que nenhum homem intelectualmente honesto poderia rejeitar a autoridade da Bíblia. Nenhum filósofo, fiel à filosofia e ao sadio exercício da razão, poderia colocar seriamente em dúvida as doutrinas fundamentais da fé cristã. Muitos expoentes do pensamento religioso protestante do século XVIII fazem suas essas teses da Ortodoxia e procuram novos argumentos para provar a veracidade do cristianismo. Para tanto, alguns recorrem à filosofia, outros a filologia e outros ainda à história.

Os maiores efeitos do emprego da filosofia no campo teológico manifestam-se bem claramente em Emmanuel Kant (1724-1804). Mostra que a filosofia especulativa não pode prestar qualquer auxílio à religião porque não pode demonstrar nem mesmo a existência de Deus. Esta só pode ser alcançada seguindo as exigências práticas da moral. Na obra A Religião dentro dos limites da Razão, elabora uma interpretação racionalista da Revelação cristã, na qual todos os elementos dogmáticos são reduzidos a simples símbolos. Assim, por exemplo, Jesus é o símbolo da luta da humanidade contra o mal e de sua vitória sobre este.

Contra Kant elevou-se o protesto solitário de Johann G. Hamann (1730-1788). Este contestou a utilização que o filósofo fizera da razão: não se pode presumir que ela se erija em juiz da Revelação. Deus não fala ao homem somente através da razão, mas também de uma totalidade de manifestações. Toda a realidade é revelação de Deus e a Escritura ocupa posição privilegiada em relação à natureza e à história, que são como seus comentários, já que constituem antecipações suas e não o oposto. Mas a Escritura só tem um caráter revelador para quem tem fé.


sexta-feira, 4 de setembro de 2009

EM BUSCA DA FELICIDADE

Certo filósofo francês disse recentemente: "Todo o mundo está buscando loucamente a certeza e a felicidade." O presidente da Universidade de Harvard disse: "O mundo está procurando uma religião em que possa crer e uma canção que possa cantar." Um milionário de Texas confessou isto: "Pensei que com dinheiro pudesse comprar a felicidade, mas acabei miseravelmente decepcionado." Famosa estrela do cinema exclamou: "Tenho dinheiro beleza fascinação e popularidade. Deveria ser a mulher mais feliz deste mundo, mas sou infeliz e miserável. Por quê" Um dos mais conspícuos líderes britânicos disse: "Perdi toda a vontade de viver, e no entanto tenho que viver. Que é que acontece comigo?"
Certo senhor foi consultar um psiquiatra, e lhe disse: "Doutor, sinto-me vencido, sozinho, e muito infeliz. O senhor me poderá ajudar?" O médico especialista lhe receitou que fosse ao espetáculo de um famoso circo, e visse e ouvisse um palhaço extraordinário que tinha a fama de fazer rir os mais tristes e desanimados deste mundo. O consulente respondeu: "Eu sou o dito palhaço."
Certo acadêmico disse: "Tenho 23 anos. Já passei por experiências que fizeram de mim um velho e estou farto da vida." Famosa bailarina grega de nossos dias disse: "Nunca tenho estado só, mas sinto que minhas mãos tremem, que os olhos se me enchem de lágrimas e que se me confrange o coração em busca de uma paz e felicidade que jamais achei." Um dos grandes estadistas do mundo hodierno me disse certa vez: "Estou velho, e para mim a vida já perdeu todo o encanto e significado. Estou pronto a saltar fatalmente para o desconhecido. Jovem, o senhor me poderá dar um raio de esperança?"
Este nosso mundo materialista luta, e se agita, e se debate na eterna busca da fonte da felicidade! Quanto mais conhecimentos adquire, menos sabedoria parece ter. Quanto maior for a segurança econômica em que vivemos, descobrimos avolumar-se mais dentro de nós o enfado, e também o tédio. Quanto mais gozamos dos prazeres mundanos, nos sentimos menos satisfeitos e contentes com a vida. Somos como o mar inquieto, encontrando precária paz aqui e quase nenhum prazer ali; e nada nos parece permanente e satisfatório. E assim continua a nossa busca! Os homens matam, mentem, escamoteiam, roubam e lutam para satisfazer sua ânsia de poder, de prazeres de riquezas, pensando que dessa forma alcançarão para si e para a sociedade em que vive paz, segurança, contentamento e felicidade.
Não obstante, em nosso íntimo uma pequenina voz continua a nos dizer: "Não fomos criados para isso, mas para coisas melhores." Trazemos dentro de nós uma percepção misteriosa de que existe em algum lugar a fonte dessa felicidade que torna a vida digna de ser vivida. E avançamos dizendo a nós mesmos que em algum lugar e num certo dia toparemos com esse segredo. Às vezes nos parece que já o encontramos – mas se trata duma ilusão, e continuamos decepcionados, confusos, perplexos e infelizes.
A felicidade que possui valor permanente na vida não é superficial, e não depende de circunstâncias. É uma felicidade, um contentamento que enche a alma ainda mesmo no meio das circunstâncias as mais adversas e no meio de ambientes mais que nocivos e desanimadores. É essa felicidade que sorri quando tudo vai mal, e mesmo através das lágrimas, A felicidade pela qual nossa alma suspira é essa felicidade imperturbável ante o sucesso ou a derrota, que se radica profundamente em o nosso íntimo e nos faculta interior descanso, paz e contentamento, sejam quais forem os problemas que se agitem na superfície. Essa espécie de felicidade não precisa de estímulos de fora.
Perto de minha residência há uma fonte cujas águas nunca variam, seja qual for a estação do ano. Podem cair fortes chuvas por perto dela, que as suas águas não aumentam. Pode a região sofrer longa e dura estiagem, que suas águas não diminuem. É sempre e perenemente a mesma. Eis o tipo de felicidade que tanto desejamos e queremos.
A criatura humana, por natureza e instinto, julga-se insatisfeita pelo menos por um destes três motivos:
Primeiro, tendo sido criado à imagem de Deus, o homem é um peregrino solitário e perdido sobre a terra, uma vez alienado da comunhão com o Criador, a cuja semelhança foi feito. Ter-se uma vaga idéia de que Deus existe não é o bastante. O homem precisa ter a certeza de que não está sozinho no mundo, e de que uma inteligência e um poder mais adequados dirigem o seu destino.
Segundo, o homem, separado da verdade, mostra-se confuso e perplexo. Ele precisa da verdade como os animais dela não precisam – não tanto essa verdade das ciências físicas e matemáticas, mas da verdade a respeito do seu ser: de sua origem e finalidade, de seus conflitos e do seu futuro.
Terceiro, o homem precisa de paz. Não duma paz indefinível, dessa chamada paz mental, ou de espírito, mas dessa paz que o liberta de todos os perturbadores conflitos e frustrações da vida, dessa paz de alma que permeia todo o seu ser, paz que opera através das provações e sobrecargas da vida.
Nada menos de oito vezes nas Beatitudes – que alguém chamou de as "belas atitudes" – Jesus empregou a palavra bem-aventurado. Este vocábulo podia traduzir-se também por feliz, conquanto traga em seu bojo um significado bem mais rico do que esses que ele tem hoje no português. Eis porque o "bem-aventurado" se defende bem de qualquer redução ou perversão de sentido. As primeiras palavras de Jesus são: "Felizes sois vós." E a seguir Jesus nos dá a fórmula da felicidade.. Certamente se alguém neste mundo já possuiu genuína felicidade e bem-aventurança, essa pessoa foi Jesus. Ele conheceu o segredo dela, e nestas Beatitudes Jesus no-lo revela.
As Beatitudes não são o ensino global de Jesus, e nem mesmo o é o Sermão do Monte. Em nossa geração, pessoas sinceras e honestas têm cometido o grave erro de pensar que a tarefa principal de Jesus era de natureza social, que Ele veio como um reformador da sociedade e como um exemplo da vida ideal. Ele foi, e é, muito mais, infinitamente mais. Ele é o Salvador, o que morreu pelos pecadores, levando suas transgressões à cruz em que por eles foi imolado. Ele morreu para salvar os homens que haviam violado o divino ideal e que, por isso, não podiam atingi-lo mais em sua natureza de degenerados.
A erudição moderna, precisa e mais adiantada, descobriu novamente, e de uma vez por todas, que o Sermão do Monte, bem como as Beatitudes, não podem ser isolados ou separados do fato da salvação alcançada por Jesus. O Velho Testamento ensinara que o Cristo seria manso, e que transformaria o pranto em alegria; que a retidão ou justiça seria Sua comida e bebida, e que mesmo na cruz se manifestaria Sua maior fome e sede.
Esta é outra maneira de se dizer que, na realidade, Jesus Cristo é o homem perfeito das Beatitudes. Somente Ele, na história da raça humana, experimentou cabal e completamente aquilo que ide nos diz acerca da felicidade e bem-aventurança da vida. O que Ele nos diz, diz-nos como o Salvador que nos remiu e como Aquele que convida os que sinceramente professam ser Seus discípulos a segui-Lo em Seus passos.
A mensagem de Cristo quando Ele esteve na terra foi revolucionária e compreensível. Suas palavras eram simples, conquanto profundas. E, por isso, chocaram e abalaram os homens. As palavras dEle, tanto provocavam calorosa aceitação como violenta repulsa. Os homens, depois de ouvir a Jesus, nunca poderão ser mais aquilo que eram, pois que invariavelmente se tornam melhores ou piores. Seus ouvintes O seguiam com amor e dedicação, ou dEle se afastavam com indignação e ódio. No Evangelho de Jesus há certo poder mágico que leva homens e mulheres a uma ação decisiva. Jesus tinha uma atitude de "Quem não é comigo é contra mim."
Os homens que O seguiram fizeram-se únicos em sua geração. Viraram o mundo de pernas para o ar, porque seus corações se tinham despertado e virado para o avesso. E, com as palavras de Cristo, o mundo já não podia continuar a ser o mesmo. Assim, a história da humanidade deu um grande passo para melhor. Os homens começaram a se portar como seres humanos. Na esteira do cristianismo veio a dignidade, e a nobreza, e a honra. A arte, a música e a ciência, tocadas pela fagulha dessa nova interpretação do significado da vida, passaram a progredir e a se desenvolver. Os homens começaram de novo a espelhar em si "a imagem de Deus" em que haviam sido criados. A sociedade começou a sentir o impacto da influência cristã. A injustiça, a desumanidade e a intolerância viram-se desalojadas pela forte correnteza do poder espiritual desencadeado por Jesus.
Séculos já se foram desde que surgiu na terra esse movimento de força espiritual. E essa correnteza de cristianismo tem avançado sem cessar, algumas vezes em maré enchente e as mais das vezes em maré vazante. Os tributários construídos por homens têm desaguado nela, poluindo-a e adulterando-a. O deísmo, o panteísmo, e ultimamente o humanismo e o presunçoso naturalismo, ou materialismo, têm desaguado seus sujos e barrentos afluentes na correnteza mestra do pensamento cristão, de modo que difícil se torna às vezes distinguir o verdadeiro daquilo que é falso.
Entendemos que os cristãos devem ser gente muito feliz! A presente geração é bastante versada na terminologia cristã, mas é também assaz remissa na prática positiva dos princípios e ensinos de Cristo. Por isso, hoje precisamos mais de verdadeiros e leais cristãos do que propriamente de mais cristãos.
O mundo pode fazer objeção ao cristianismo como uma instituição, mas não há argumento que prevaleça diante duma pessoa que pelo Espírito de Deus se tenha tornado semelhante a Cristo. Tal pessoa é viva condenação do egoísmo, do racionalismo e do materialismo de nossos dias. Muitas e muitas vezes temos discutido com o mundo a letra da lei quando devíamos viver mais como vivos oráculos de Deus, vistos e lidos por todos os homens.
Já é tempo de voltar novamente às fontes e perceber e sentir outra vez as qualidades curativas desse rio da salvação.
Jesus disse à samaritana junto ao poço de Jacó: "Quem beber da água que eu lhe der jamais terá sede." Aquela mulher desiludida e corrompida pelo pecado, simboliza perfeitamente toda a raça humana. As aspirações dela são também as nossas! O clamor do coração dela é também o nosso! As desilusões dela são também as nossas desilusões! O pecado dela é também o nosso pecado! E o Salvador dela pode ser também o nosso Salvador! O perdão e a alegria que ela obteve, nós também os podemos obter?
Convido-o, meu prezado leitor, a realizar, comigo uma empolgante jornada, uma pesquisa bastante aventurosa! Qual o nosso objetivo? O segredo da felicidade. O lugar? A Galiléia. Voltemos para trás as páginas do tempo, para dois mil anos.
O dia está quente e abafado, e sufocante vento faz rodopiar o pó em caprichosas espirais que são levadas pouco a pouco para os lados do Mar da Galiléia. Há um quê de expectativa na atmosfera que respiramos. O vento saltita feliz pela superfície do velho mar. Ouvimos vozes em tom excitado e febril, como de gente a saudar efusivamente um amigo. De várias estradas, pequenos grupos de gente começam a se reunir. Corria a notícia de que Jesus estava de volta à Galiléia.
De repente Ele com o Seu pequeno grupo de seguidores surge no alto dum monte da estrada de Cafarnaum, e imediatamente vemos atrás deles uma grande multidão de gente vinda de Decápolis, de Jerusalém, da Judéia e de além do Jordão.
Rápida corre de boca em boca a boa nova; "Jesus vem vindo!" Outros grupos, vindos de Tiberíades, de Betsaida e de Cafarnaum, logo aparecem e se lhes ajuntam. E vão seguindo o pequeno grupo daqueles treze homens. Ao atingirem o topo do monte onde uma fresca brisa, vinda da planície, lhes refrigera o rosto causticado pelo sol, Jesus pára e acena à multidão para que Se assente e descanse.
Há como que uma pausa no ar. Trata-se dum momento que deve ser apanhado e guardado por toda a eternidade. A multidão se aquieta, enquanto Jesus sobe ao topo duma grande rocha vermelha e ali Se assenta. Lá no vale, na estrada deserta, um viajar solitário cavalga seu camelo, rumando para Tiberíades. Grande silêncio se faz naquela multidão, à medida que olham todos com expectação para Jesus. Eis que Ele abre Sua boca e começa a falar.
Aquilo que Ele disse lá no Monte das Beatitudes na longínqua Palestina ia ficar na história como as palavras mais profundas e sublimes até hoje pronunciadas neste mundo! Sim, ali, com palavras reverentes, bem medidas e duma simplicidade sem igual, revelou Jesus o segredo da felicidade – não duma felicidade superficial de tempo e espaço, mas dessa felicidade que permanece para sempre.
A palavra feliz foi a primeira que saiu de Sua boca. Imediatamente os Seus ouvintes devem ter aparelhado bem os ouvidos, como o devemos fazer também. Nas páginas que se seguem é minha oração e sincero desejo que você, amado leitor, faça ainda mais que isso: que você prepare não só os seus ouvidos, mas também abra o seu coração e renuncie a sua vontade. Então, você começará a viver essa vida que se inicia com V maiúsculo, e encontrará um contentamento e uma alegria que excluirão toda a futilidade e todo o vazio de sua vida cotidiana, facultando-lhe descobrir o segredo da felicidade!