sábado, 30 de janeiro de 2010

O PECADO E GRAÇA NA PERSPECTIVA AGOSTINIANA


Há certa analogia interna entre as controvérsias trinitárias e cristólgcias, que grassaram no Oriente durante séculos IV e V, de um lado, e de outro lado, a controvérsia pelagiana no Ocidente no século V. Ambas giravam em torno da mesma questão: Que constitui a base para a salvação? Após o repúdio do arianismo e das heresias monarquianas, os argumentos seguintes se evidenciaram: Se Cristo não é verdadeiro Deus, não pode salvar os homens; se não é verdadeiro Deus e verdadeiro homem em uma pessoa, não pode libertar o homem do domínio do pecado e da morte. De maneira semelhante, agostinho afirmou, em oposição a Pelágio, que a salvação é obra do próprio Deus; não é de origem humana. Numa controvérsia, o ponto principal se referia à relação entre as naturezas divina e humana em Cristo; na outra, à relação entre graça de Deus e o livre arbítrio do homem. Tal como Atanásio ensinara que Cristo é verdadeiro Deus, de modo que a obra que realizou é a própria obra de Deus, assim também Agostinho ensinou que é tão-somente a graça de Deus que opera a salvação dos homens. Mas para Agostinho isto não era questão puramente teológica; tinha também reflexos antropológicos. Na teologia ocidental a doutrina de pecado e graça, bem como a doutrina da igreja, chegaram a ocupar o lugar central de interesse.

A controvérsia com o pelagianismo dizia respeito, em sua maior parte, aos seguintes pontos: O livre arbítrio, o pecado original, a conquista da salvação, graça e predestinação.

Considerada de um ponto de vista, toda esta faceta da teologia de Agostinho constitui uma descrição do homem e de usa posição face a Deus. Ao mesmo tempo, no entanto, a antropologia teológica de Agostinho também foi inserida em sua doutrina do plano da salvação. Dá atenção especial à maneira como Deus trata com o homem e as várias condições do homem, nesta sequência de eventos, que é descrita como o plano de salvação que Deus tem para o mundo. Afirmações relativas ao livre arbítrio e à obra da graça são condicionadas pelas várias etapas em que o homem se encontra em seu desenvolvimento, desde a criação até a perfeição. Agostinho distingue quatro dessas etapas, uma vez que fala do homem ante legem, sub lege, sub gratia e in pace ( ou, em terminologia mais recente “antes da queda; depois da queda; depois da conversão; e na perfeição”

No assim chamado estado original, isto é, quando o primeiro homem foi criado, ele possui medida completa de liberdade. Tinha então livre arbítrio não somente no campo da ação; também era capaz de escolher entre o bem e o mal. Em outras palavras, o homem então possui liberdade no sentido formal, bem como a capacidade de escolher o bem. Esta espécie de liberdade implicava, portanto, na capacidade de evitar o pecado (posse non peccare ) . Esta capacidade não pertencia ao homem por causa de seus dons naturais; pertencia-lhe somente por causa da ajuda da graça divina. Era apenas a prima gratia que dava ao homem a liberdade de escolher o bem.

Mas a liberdade encerra a possibilidade de uma queda, e o primeiro pecado foi ocasionado pelo livre arbítrio. A queda significa que o homem, em espírito de arrogância, afastou-se de Deus e se colocou na direção do mal. A caritas foi substituída pela cupiditas na vida do homem. O homem perdeu assim a dádiva da graça, e com ela a liberdade que constituía a capacidade de escolher o bem. Pois quando a graça foi perdida, alterou-se a natureza humana. A razão e a vontade não mais controlam os poderes inferiores da alma; por outro lado, estes poderes assumiram posição dominante, e o homem, como resultado, viu-se enredado nas malhas do desejo e guiado pela concupiscência. Esta condição ele é incapaz de mudar. Em ocasiões isoladas a vontade, apesar disso, permanece a mesma. O homem é incapaz de livrar-se da servidão à concupiscência, porque nesta situação o mundo é o objetivo primordial de sua vontade, e não Deus.

A queda, portanto, significa que o homem perdeu a liberdade de escolher o bem. Como consequência, o homem agora sente-se impelido a pecar ( necessitas peccandi ). Seu posse non peccare trnsformou-se em non posse non peccare. Aqui Agostinho opo-se a Pelágio. Agostinho negava que o homem, depois da queda, continuava possuir livre arbítrio no verdadeiro sentido, a saber, a liberdade de escolher o bem. Em vez disso, está sob o impulso de pecar, o que quer dizer que age de tal maneira que a corrupção é inevitável. Boas obras isoladas podem ser realizadas, mas estas não modificam a intenção má de sua vontade. Ao mesmo tempo, entretanto, Agostinho não negava a liberdade em sentido formal. Seu conceito não é determinista. O homem age livremente. Mas devido à sua condição, o homem só está livre para pecar. Em outras palavras, sua liberdade é muito limitada, ou corrompida. A tendência do homem de escolher o mal determina o curso de sua conduta e o impede de fazer o bem. Realmente, o homem está livre no que concerne a ações individuais. Ao mesmo tempo, entretanto, sua atitude básica, moldada por sua vontade é algo que não pode mudar – e, até esse ponto, não é livre.

As más Tendências volitivas do homem se expressam como concupiscência, ou desejo. Mas ao mesmo tempo, o primeiro pecado foi ofensa (culpa) com a qual o homem incorreu em culpa perante Deus> Por esta razão, o pecado original implica numa condição perpétua de culpa (reatus). É esta culpa que é a essência do pecado, ou que torna o pecado pecado (seu formale ) . A culpa herdada é removida pelo batismo, de modo que o pecado original não é mais contado como pecado. Apesar disso, a condição pecaminosa permance, mesmo depois do batismo; a concupiscência atribuível à influência do pecado original, ainda está presente. A própria natureza humana é prejudicada pela corrupção implícita no pecado original; ela é como resultado, uma “natureza viciada pelo pecado”. O pecado não é simplesmente uma série de ações voluntárias isoladas; é corrupção real da natureza, resultante do fato a própria direção da vontade está deturpada. Lutero enfatizou isto dizendo que o pecado não só restringe as ações externas; descrença e inimizada contra Deus constituem sua essência. De modo semelhante, Agostinho descreveu o pecado como perversão da vontade. Nisto vemos o principal ponto de conflito entre ele e Pelágio.

O pensamento que o pecado está implícito na natureza humana é sugerido pela própria idéia de ser corrupção herdada. O primeiro passo em falso resultou do livre arbítrio do homem. Mas toda a raça humana esteve envolvida na queda de Adão. O Adão bíblico é o “homem” em geral; todos estão representados nele, de modo que todos os seus descentes formam uma unidade com ele. Como resultado, todos participam na culpa de Adão mesmo que a presença do pecado original no indivíduo não dependa de um ato da vontade; está presente antes que a vontade comece a se manifestar. A condição de culpa é herdada, e é removida do indivíduo através do batismo.

Assim também acontece com a corrupção humana; ela igualmente é herdada, como resultado da desobediência de Adão. Isto que dizer que é propagada de modo real de uma geração à seguinte. Agostinho acreditava que, com a propagação natural, também os maus desejos passavam de uma geração à seguinte. Deste modo, a humanidade tornou-se uma massa perditionis. Toda a raça humana é escrava dos desejos e afligida com a corrupção que deles resulta.

Além disso na opinião de Agostinho, nossa condição pecaminosa herdada também nos torna culpados perante Deus; com base no pecado original, o homem é digno da condenação divina. Ã luz disso, Agostinho concluiu que crianças não batizadas estão sujeitas ã condenação. A teologia católica romana posterior abrandou esta afirmação de várias maneiras, e mesmo Agostinho sugeriu que as orações da família podiam, em alguns casos substituir o batismo. O conceito de pecaminosidade herdada foi muitas vezes mal entendido. Naturalmente não significa que se nega que as crianças sejam inocentes do ponto de vista meramente humano. Não é questão de pecado atual; antes, indica uma condição na qual o homem se encontra como resultado da perversão de sua vontade. A doutrina do pecado original também supõe unidade da raça humana em Adão. Pois, caso contrário, como podia ser atribuída culpa ou responsabilidade a um indivíduo por algo que não fez? A posição agostiniana nesta questão não distingue entre crianças e adultos; a mesma ofensa se aplica a todos. Imaginar que o pecado original impõe culpa é igualmente difícil em ambos os casos. Deve-se pressupor além dos limites do conhecimento empírico e, portanto, não pode ser apreciado do ponto de vista da experiência que a razão tem a seu dispor.

Em sua doutrina do pecado original, agostinho descreve o pecado como condição que abrange todo o homem; não se trata apenas de ações isoladas. O pecado é um afastar-se de Deus por parte da vontade do homem . Isto implica em afirmar que o mal é algo negativo, sem substância, e desligado da comunhão com Deus, mas ao mesmo tempo, algo que implica em culpa e produz depravação em termos bem concretos.

Em conexão com este conceito de pecado, é lógico concluir que, depois da queda, a vontade do homem tornou-se incapaz de fazer o bem. Na realidade, o homem pode ocasionalmente fazer aquilo que é bom e útil aqui na terra. Mas enquanto a perversão da vontade domina, isto não pode ser verdadeiramente bom, pois o próprio homem permanece mau, e suas ações se dirigem àquilo que conduz à corrupção. Esta doutrina do servo arbítrio ( que não deve ser confudida com o determinismo) significa que o homem é incapaz de cooperar de cooperar no interesse de sua salvação.

Aquilo que é a única fonte de salvação humana, a graça de Deus, foi revelado na obra de Cristo. Ele fez expiação pelos nossos pecados, e por intermédio da fé nele o homem pode participar da graça. Este é o único caminho à vida reta: “O que a lei ordena, a fé realiza”. A função da graça consiste, em parte, no perdão dos pecados e, em parte, na regeneração.

Através da obra de mediação realizada por Cristo, a comunhão com Deus, que fora perdida, foi restaurada. A culpa é removida pelo perdão dos pecados, e o homem recupera a vida espiritual que foi perdida na queda. Na opinião de Agostinho, a salvação se encontra no perdão dos pecados, e a graça é a vontade misericordiosa de Deus que opera o perdão.

Mas a graça não apenas remove o pecado; também efetua a regeneração do homem. A natureza humana realmente encontra-se depravada por causa do pecado. Este mal só pode ser curado pela graça. A vida retorna quando é restaurada a relação do homem com Deus. A graça cria nova vontade no homem. Isto implica numa “infusão de amor”. A má vontade, orientada em direção ao mundo, é substituída pela boa vontade, pela caritas. Como resultado, o homem pode obedecer aos mandamentos de Deus; anteriormente, era incapaz de fazê-lo. Sua liberdade, isto é, sua capacidade de fazer o bem é restaurada. Enquanto durar a vida terrena, esta liberdade é mero início. Pois, nesta vida o homem deve lutar contra o desejo e só é restaurado gradualmente. O que pode produzir o bem no homem? Apenas o amor, a nova vontade. Sem o auxílio da graça, o homem nunca pode fazer o bem. Como resultado, o cumprimento da lei, que Deus exige, só é possível quando Deus mesmo fornece o poder. “Dá o que ordenas, e ordena o que quiseres”. Tal amor vai de mãos dadaa com a fé. Crer em Deus é amá-lo e esperar vê-lo um dia. Fé, esperança e amor pertencem juntos; são as virtudes essenciais do cristianismo.

A salvação resulta do perdão dos pecados, mediante a fé, independentemente de mérito humano. Nada há que o homem possa fazer de si mesmo para realizar esta salvação. Este foi o principal argumento de Agostinho contra Pelágio; Agostinho tomou esta idéia básica de Paulo, cuja doutrina da justificação pela fé teve influência decisiva sobre Agostinho. A vontade do homem é incapaz de fazer o bem e, portanto, a salvação deve ser obra do próprio Deus. Mas, para Agostinho, graça inclui a regeneração do homem. A vontade do homem se altera, o amor é derramado nele; como resultado disto, o homem pode fazer verdadeiramente o que é bom e pode tornar-se cooperador de Deus na fé. Encarado de certo modo, Agostinho parece dizer que esta regeneração é o alvo. O amor a Deus (caritas) é o pressuposto da salvação do homem. Esta interpretação de Paulo é um tanto diferente da dos reformadores. Segundo Lutero e tradição luterana, é apenas a fé em Cristo e seus méritos que justifica o homem; as obras humanas não têm lugar. Agostinho igualmente dizia que o homem é salvo pela fé, mas esta fé também pratica o bem; relaciona-se com caritas e se expressa através dela. Ações que se originam no amor são consideradas meirtórias e eventualmente serão recompensadas. Mas Agostinho também enfatiza, ao mesmo tempo, que tal mérito só pode ser conquistado pela graça. Disse ele: “Quando Deus recompensa nossos méritos, está realmente recompensando suas próprias dádivas”. (Epistola 194.19).

Agostinho, entretanto, não diz que a graça que perdoa é a única causa e pressupostos da salvação; também reconhece a importância do amor que Deus derrama no coração do homem. A base real da salvação é tão somente a graça (e não o livre arbítrio do homem), mas o que se destaca na obra da graça não é tanto a justiça “alheia” de Cristo que é imputada a nós, mas antes a transformação que ocorre na vida do indivíduo renascido por causa do amor de Deus que foi derramado nele.

A oposição de Agostinho a Pelágio expressou-se mais fortemente em sua doutrina da presdestinação . A graça, que é a única fonte da salvação do homem, é a vontade misericordiosa de Deus; ela é, ao mesmo tempo, onipotente. A onipotência desta graça significa que a salvação do homem depende apenas da vontade e do decreto Deus. Deus, na eternidade, escolheu certos homens para serem arrancados da massa corrupta e para participarem de sua salvação. A obra da graça no plano da salvação, portanto, é a execuçao, no tempo, do decreto eterno, oculto, de Deus. Agostinho baseou esta conclusão em Rm 8.30: “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou”.

O fundamento decisivo da salvação humana, portanto, não se encontra em nossos méritos ou no livre arbítrio, mas, invés disso, na vontade de Deus. Para Agostinho, isto significava que os que foram escolhidos um dia serão salvos. Não se pode imaginar que venham a cair novamente aqueles que uma vez chegaram a crer. A graça os supre não apenas com a fé mas também com o dom da perseverança. Esta linha de pensamento fez surgir a teoria denominada “graça irresistível”; o termo, em si, só foi usado mais tarde. Agostinho acreditava até que os predestinados podem existir fora da igreja. Essas pessoas, sustentava, seriam salvas pelo poder da graça que operaria sem os meios ao nosso dispor.

Agostinho também concluiu nesta conexão que se alguém não é salvo, isto igualmente tem sua origem na vontade de Deus; Deus não desejou a salvação de tal pessoa. Pois nada pode ser feito sem a vontade e o poder de Deus. Como pode relacionar-se esta idéia com a passagem: “Deus é amor? Tais questões não podem ser respondidas. As palavras de I Tm 2.4: “Deus deseja que todos os homens sejam salvos” ( que têm sido difícil para todos que ensinam a dupla predestinação), foram interpretadas por Agostinho como referindo-se apenas a todas as “classes” ou “espécies” de homens.

A doutrina da predestinação de Agostinho representa a consequência final de sua doutrina que a graça é a única fonte da salvação dos homens. A teologia posterior, em geral, não seguiu em tais conclusões. As doutrinas da graça irresistível e da dupla predestinação, na maioria das vezes, foram rejeitadas. Todavia estas idéias continuaram a fornecer uma antítese vigorosa às tendências pelagianas, e foram aceitas por teólogos que desejavam ficar fiéis a Agostinho neste ponto.

Melhor do qualquer outro “latino” , Agostinho sintetizou a cultura da antiguidade e fundiu essa herança com a teologia cristã. Realizou, portanto, uma síntese entre herança filosófica da antiguidade e o cristianismo, mas também contribuiu com algo de novo e original de sua própria personalidade. Ao mesmo tempo que estava profundamente enraizado na antiguidade e na tradição cristã, exerceu também impacto criador tanto sobre a teologia como sobre a filosofia. Representava uma cultura que estava no acaso – a romana mas ao mesmo tempo suas idéias serviram de base para a época que estava surgindo. Nos séculos seguintes, os teólogos continuaram a enfrentar os problemas que Agostinho propusera, a cultivar suas idéias, ou a usar suas obras como fonte de referência. Nos pensamentos de Agostinho de Hipona encontram raízes as tendências da escolástica bem como as dos místicos, as da política eclesiástica papal e ainda as de reforma da Idade Média.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O CONCEITO AGOSTINIANO SOBRE O CRISTIANISMO

SOBRE O CRISTIANISMO.

Nas Confissões Agostinho descreve sua peregrinação a fé conta como perambulou, cegamente, nas trilhas do erro. Durante todo esse tempo, no entanto, estava sob a influência dos poderes da graça e foi atraído cada vez mais pelo amor à verdade, até que, afinal, através de sua conversão, este amor tornou-se permanente e seus desejos se voltaram à realidade espiritual. Antes disso, apenas fora capaz de vislumbrar a verdade de longe, e seu amor a ela era por demais evanescente para capacitá-lo a dominar seu amor pelo mundo. A natureza caleidoscópica dos interesses seculares o mantinha cativo e exercia influência decisiva sobre seus desejos. Não conheceu a paz até chegar a ter a fé em Cristo, até submeter-se a verdade escriturística. Somente então encontrou aquilo que em vão buscara tateando. Essa foi a experiência que Agostinho resumiu nas conhecidas palavras: “Tu nos fizeste para Ti, e nossos corações estão inquietos, até encontrarem descanso em Ti” (I.1).

Como já foi mencionado, Agostinho submeteu-se a autoridade da igreja e aceitou os ensinamentos das escritura depois de sua conversão. Seu batismo e a escolha da maneira de vi ver dão testemunho da natureza decisiva dessa modificação. Em seus escritos, entretanto, podemos ver certa continuidade; o que escreveu depois de sua conversão relaciona-se, até certo ponto, com o que escrevera antes dela. Mesmo as coisas que escreveu imediatamente depois de sua conversão ( os Solilóquios, por exemplo) são obviamente influenciados pelo neoplatonismo. À medida que o tempo corria, voltou-se cada vez mais à tradição cristã, mas nunca rompeu completamente com o neoplatonismo (como fez com o maniqueismo). Em sua opinião, o cristianismo e o neoplatonismo não se excluíam mutuamente. Acreditava que, em vez disso, idéias neoplatônicas o capacitaram a encontrar o cristianismo e a entender suas implicações mais profundas. Como resultado, os fundamentos de sua posição teológica foram sempre, ao menos em parte, determinados por pressupostos neoplatônicos.

Todavia, a atitude básica de Agostinho face à especulação filosófica modificou-se depois de sua conversão. Antes dela, a filosofia tinha oferecido a Agostinho a possibilidade de encontrar a verdade por meios racionais, através do uso da especulação. Depois de converter-se, Agostinho entendeu a relação entre teologia e filosofia de acordo com a seguinte fórmula: “Creio para que possa compreender” A submissão a autoridade ocupava agora o primeiro lugar em sua vida. Não mais julgava ser a especulação filosófica o caminho que conduzia o alvo. Acreditava agora que só pela fé se podia chegar a conhecer verdadeiramente a Deus, aceitando a verdade revelada. Não concluía com isso, entretanto, que a possibilidade de considerar a fé em termos racionais ficava excluída; julgava que a verdade da fé também podia ser alvo de compreensão, pelo menos até certo ponto, Mas o pensamento filosófico não mais ocupava o lugar de honra na vida de agostinho; este fora substituído pela fé e pela submissão à autoridade da Escritura.

Para Agostinho, o pensamento lógico, embora se baseasse na fé e se relacionasse com a submissão aos ensinamentos da igreja, tomava a forma de síntese entre cristianismo e neoplatonismo. Em sua opinião, estes dois estavam em harmonia um com o outro; não se excluíam mutuamente. Isto não quer dizer que Agostinho considerava o neoplatonismo um religião situada no mesmo nível do cristianismo. Bem pelo contrário, julgava ser este a única fonte da verdade. Mas a relação entre ambos, em sua opinião, era que apenas o cristianismo podia fornecer as respostas corretas as questões propostas pelo neoplatonismo ou a filosofia em geral. Os filósofos buscam a verdade, mas não podem encontrá-la. Reconhecem o alvo, mas não conhecem o caminho que a ele conduz. Desta maneira, quando o cristianismo responde às profundas questões levantadas pela filosofia (as únicas respostas válidas que podem ser encontradas), situa-se numa ambivalência com a filosofia. De um lado, a atitude da fé revela a falsidade da filosofia, demonstrando quão vazia ela é, bem como traz luz à sua incapacidade de satisfazer aos anseios mais profundos do homem. Do outro lado, o cristianismo aceita questões levantadas pela filosofia, e desta maneira reconhece a atitude básica face à vida que é característica da filosofia. Esta ambivalência é típica do conceito de cristianismo de Agostinho. De um lado, reconhece a verdade da revelação e da tradição cristã em contraste com a razão e a filosofia. De outro lado, apresenta o cristianismo em categorias implícitas nos pressupostos filosóficos que aceitava. Agostinho criou um síntese que incluía tanto elementos cristãos como neoplatônico sem interação mútua. Estas linhas gerais de pensamento podem ser isoladas e diferenciadas uma da outra, mas na mente de Agostinho formaram um ponto de vista unitário, simultaneamente cristão e neoplatônico.

O neoplatonismo ensinava que a tendência mais elementar encontrada no homem é sua busca da felicidade, e é esta idéia, acima de tudo, que constituiu o elo de ligação entre Agostinho e este sistema de pensamento. Em sua opinião, o pressuposto básico de todo esforço humano se encontra na concentração do homem sobre um objeto que lhe promete trazer certos benefícios.

Além disso, Agostinho deseja provar que essa concentração da vontade humana não se limita simplesmente a alvos fortuitos e temporais. O que o homem deseja acima de todas as outras coisas é o bem supremo. E mesmo que aplacar seus desejos de obter vantagens temporais, isto não o satisfará inteiramente. Revela-o o fato que o homem constantemente dirige sua atenção a novos alvos. Não se satisfaz com o que é apenas parcialmente bom, que oferece valores de qualidade inferior. O que corresponde plenamente ao destino humano, e aquilo a que se dirigem as aspirações mais profundas dever ser o bem supremo, algo de valor absoluto, não qualificado por qualquer coisa superior. Agostinho também acreditava que se o homem busca certo nível de realização e o alcança, seu desejo não se aquietará , pois sempre viverá no temor de perder o que obteve. Pois o bem que alcança é mutável e perecível. Apenas o que é permanente e imutavelmente bom pode satisfazer o coração do homem. E é apenas Deus que é este summum et incommutabile bonum. Em vista disso, há em todos os homens um desejo natural por Deus, o bem supremo. Esse desejo se expressa mesmo em formas pervertidas de amor. “Deus, que é amado por tudo que é capaz de amar, consciente ou inconscientemente...” (Solilóquios, I. 1,2).

Há um eudemonismo em Agostinho, mas não é o eudemonismo filosófico que afirma que satisfação do desejo ou a realização do prazer próprio é o alvo mais elevado. Conforme Agostinho, o alvo mais elevado é união com o supremo, como algo transcendente, não encontrado na esfera humana. “Para mim o bem é estar unido a Deus”. A visão de Deus é o objetivo supremo. Quando todos os poderes do espírito estão dirigidos a Deus e à eternidade, é então que a mente está corretamente inclinada, e alma pode experimentar paz e clareza. Esta espécie de amor é o mandamento mais elevado, que abrange todos os outros. “Ama, e faze o que quiseres”.

domingo, 17 de janeiro de 2010

NEPOTISMO NO MEIO EVANGÉLICO - Parte II


Numa época de extrema crise moral, em que o Nepotismo praticado no meio político tem sido alvo de severas críticas por parte da mídia e da sociedade em geral, é possível detectarmos tal prática em alguns "arraiais" evangélicos desse país. Lideranças eclesiásticas que governam sobre grandes rebanhos decidiram compartilhar a "gordura das ovelhas" com seus queridos familiares, adotando um modelo administrativo do tipo "mordomia familiar", sendo assim, nomeando parentes e agregados para os principais cargos da igreja, vale salientar que tais nomeações são acompanhadas de generosas remunerações. Tais procedimentos são fundamentados por meio de atos supostamente democráticos com o intuito de legitimar o Nepotismo. Tais lideranças se empenham em projetar uma imagem de ortodoxos e conservadores para justificar o seu autoritarismo e intimidar o rebanho e amordaçar os indivíduos para evitar qualquer questionamento dos seus atos, pois, nesses sistemas não existe espaço para críticas, porque implicitamente se proclama um tipo de "infalibilidade pastoral". É lamentável admitirmos que no Brasil existem grandes ministérios, cujo o Nepotismo é uma prática tão evidente. Infelizmente ainda existe muita ingenuidade e alienação no meio evangélico, pois, basta alguém dizer "Deus me revelou" , " O Senhor me falou", é suficiente para que uma grande maioria aceite qualquer imposição sem nenhuma reflexão, nem se quer procuram analisar a partir das Escrituras Sagradas. Uma minoria consciente nesses contextos fica sem poder de reação diante de uma maioria alienada, vale lembrar aqui o "mito da caverna" do filósofo grego Platão.
Apesar dos argumentos desenvolvidos até agora, entendo que pode ser apropriado, coerente e até mesmo da vontade de Deus, que alguns líderes utilizem parentes, nomeando para cargos administrativos ou consagrando-os ao sacro ministério, todavia, isso deve ser feito de forma equilibrada e transparente, com o conhecimento e aprovação geral do grupo. Infelizmente, alguns líderes encontraram no ministério ou na administração eclesiástica uma solução para os seus filhos e parentes em geral, que não conseguiram nenhum êxito na vida secular, isto é, não são aptos para nada, só para o ministério eclesiástico. Vivemos em um país com altos níveis de desemprego, onde as pessoas que têm uma formação profissional ou acadêmica, conseguiram tal feito com muita luta e sacrifício. Não é justo justo nem honesto que profissionais habilitados fiquem de fora do mercado de trabalho, enquanto alguns setores da sociedade praticam essas políticas parternalistas que beneficiam um "bando" de incompetentes e excluem os verdadeiramente habilitados. É tremendamente contraditório quando tal atitude é praticada no contexto cristão-evangélico, o que é totalmente contrário a doutrina da mordomia cristã ensinada na Palavra de Deus, nesse contexto, o apóstolo Paulo diz "Que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus" I Co 4.1. Despenseiro não combina com Nepotista. Como profetas do Senhor e arautos da verdade não podemos nos omitir diante de tais abusos, não podemos ser indiferentes a esse desvio de finalidade praticado por algumas lideranças evangélicas nessa nação. Esses tais precisam saber que não são donos da igreja, não podem manipular o patrimônio do povo Deus da maneira que bem entenderem. Essa reflexão se baseia em situações que presencie de perto.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

AGOSTINHO E SEU PENSAMENTO

O mais notável pensador com que a ortodoxia contou no ocidente foi Agostinho. A igreja Católica o canonizou, mas sabe-se que a Reforma Protestante se inclinou mais coerentemente sobre Agostinho do que fez com relação a qualquer outro pensador de antes da Reforma. Agostinho tem de ser alinhado entre o mais raros gênios, que aparecem uma só vez no decorrer de cada milênio. O pensamento moderno lhe deve mais do que o reconhecimento a ele tributado o revela. O Bispo de Hipona fez com que a reflexão humana se tornasse capaz de atentar para dentro da própria mente, para que se auto-analisasse e, como foi dito por certo escritor, quase que a única coisa que Agostinho teria de aprender da psicologia moderna seria o jargão adotado. O nome de Agostinho ocupa lugar de destaque não só na história do dogma mas também na história geral da cultura. Além da teologia, os campos filosofia, literatura, governo eclesiástico e jurisprudência também foram influenciados por seus escritos. Lutero apoiou-se muito em Agostinho. Em seus primeiros anos, como regra geral, identificava sua posição com a de Agostinho. Foi o ensinamento agostiniano de pecado e de graça que Lutero desejava manter em oposição à doutrina da escolástica sobre a justificação. Isso também foi decisivo no que tange à relação entre Lutero e o Ocamismo Agostinho era homem do Ocidente, e as facetas mais proeminentes de sua teologia são as que se encontram no centro da teologia ocidental. O problema da igreja bem como as questões antropológicas, por , exemplo, foram respondidas por Agostinho de maneira tal que se tornaram básicas para o pensamento teológico nos séculos seguintes – e isto acontecia mesmo quando a posição de Agostinho não era inteiramente aceita. As doutrinas da graça e da predestinação de Agostinho suscitaram ampla controvérsia mesmo antes de sua morte, e continuaram a ocupar o centro da discussão teológica durante toda a Idade Média e mesmo, em parte, até no período após a Reforma. Os seguintes problemas assumiram importância especial: a extensão do livre arbítrio, o papel da graça na conversão e regeneração do homem e o significado da predestinação.

A VIDA E O PENSAMENTO DE AGOSTINHO

Para se compreender a teologia de Agostinho, é importante saber algo a respeito de sua vida e seu desenvolvimento interno, que influenciou a formação de sua teologia. A melhor fonte de informações é seu conhecido livro Confissão, escrito por volta do ano 400. Agostinho nasceu em Tagaste, na Numídia, em 354, seu pai era pagão, mas sua mãe era cristã, de modo que chegou a conhecer o cristianismo já muito cedo. Foi enviado a Cartago em 371 para estudar. Enquanto ali vivia, levava uma existência completamente mundana até ler o Hortênsio de Cícero, que criou nele o amor à filosofia. O desejo de encontrar a verdade substituiu o desejo de obter a riqueza e fama. Anos mais tarde reconheceu essa mudança de pensamento como um passa em direção ao cristianismo. “Ó verdade, verdade, quão ardentemente minha alma ansiou por ti nessa época!” Desde o início parecia até certo ponto claro a Agostinho que a verdade não poderia ser alcançada a não ser em Cristo. O que o impedia de crer era linguagem não filosófica e (como ele a considerava) bárbara da Bíblia. Também não conseguia submeter-se à autoridade da Bíblia, o que exige fé. Pouco tempo depois do incidente acima mencionado, Agostinho uniu-se aos maniques, seita que tinha bom número de adeptos na África. Esse grupo, fundado por Mani, um persa, no terceiro século, tinha muito em comum com o gnosticismo. Mas seu dualismo era ainda mais radical; não era simplesmente dualismo entre Deus e o mundo, mas acima de tudo entre Deus e o mal. Os maniqueus consideravam o mal como o princípio independente ao lado de Deus, poder que limitava o domínio de Deus e contra o qual Deus combatia. Seu sistema de salvação lembra o plano gnóstico, e este, em geral, fornecia ao maniqueismo uma explicação ampla e especulativa do mundo. O maniqueismo também se caracterizava por seu código de ética ascético, que frequentemente chegava ao oposto – ao libertinismo – entre seus membros. Agostinho foi atraído ao maniqueismo pro sua explicação racional do mundo, bem como pelo seu código ascético, que temporariamente ofereceu uma solução a seus problemas. Mas o caráter fraudulento da posição maniquéia se lhe tornou cada vez mais evidente, e depois de 9 anos abandonou as suas fileiras. No mesmo ano, 383, Agostinho atravessou o mar, indo até a Itália. Viveu em Milão, onde entrou em contato com o famoso teólogo e prelado Ambrósio, que exerceu influência decisiva sobre ele. Ambrósio representava a posição teológica ocidentel, mas também ficara profundamente imressionado com a teologia do Oriente, bem como com a filosofia grega. Entre outras coisas, apropriara-se do método alegórico de interpretaçào de Filo e Orígenes. Esse método chegou a ter grande significado para Agostinho, uma vez que lhe permitiu pôr de lado algumas passagens da Escritura que considerava inaceitáveis. Em suas pregações, Ambrósio salientava com vigor o conceito paulino de justificação através do perdão dos pecados, e também isto foi de grande importância para Agostinho. Primeiramente Agostinho dirigiu-se ao neoplatonismo. Foi em grande esta escola de pensamento que o afastou do maniqueismo. O conceito neoplatônico de Deus era diametralmente oposto ao conceito maniqueu. Aquele concebia Deus como o bem absoluto, imutável, situado acima de toda mudança, a fonte de tudo que existe. Tal concepção era incompatível com a idéia que o mal é princípio independente, e com a suposiçào que Deus combatia o mal e era, portanto mutável, exposto às modificações existenciais. O mal não pode ser algo independente, princípio criador e eficiente. No contexto neoplatônico, conceitua-se o mal como qualidade negativa, não ser, ausência de bem . Agostinho aceitou esta definição de mal, a qual constituiu a origem de seu diagnóstico da natureza do pecado. O impacto do pensamento neoplatônico se percebe claramente na seguinte passagem de suas Confissões: “Mas, tendo então lido aqueles livros dos platonistas, e neles tendo aprendido a procurar a verdade incorpórea, descobri tuas coisas invisíveis, entendi pelas coisas criadas... Então certifiquei-me que existes, que és infinito... e que verdadeiramente és aquele que é sempre o mesmo, sem variação em qualquer parte e sem movimento; e que todas as outras coisas procedem de ti, neste terreno seguro apenas, é que existem.... É posteriormente, quando meu espírito foi conquistado por tua Bíblia... aprendi a distinguir entre presunção e confissão – entre os que vêem aonde deve ir, mas não vão, e o caminho que conduz não apenas à visão mas também à morada na terra abençoada”. (VII,20). Mas apesar disso disso, foi uma passagem da Carta de Paulo aos Romanos que destruiu os últimos vestígios de resistência e facilitou a conversão de Agostinho ao cristianismo. Estas foram as palavras decisivas: “Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e nada disponhais para a carne, no tocante às suas concupiscências” (13.13-14). Estas palavras levaram Agostinho a abandonar sua vida mundana; e dirigiram seus desejos ao transcendental, não para a vantagem temporal, mas afim de melhor compreender e contemplar a Deus. Sua vontade fora abatida, mas restaurara-se novamente de modo definitivo. A conversão de Agostinho significou mais do que abandonar sua ambição de se tornar um retórico famoso. Anteriormente fora escravo de desejos mundanos, mas isso agora passara, e seus pensamentos se voltaram a coisas espirituais. Ao mesmo tempo submeteu-se aos ensinamentos e a autoridade da igreja. Foi a fé em Cristo que tornou o transcendental realidade viva para Agostinho. Depois de sua conversão, Agostinho e mais alguns cristãos fiéis se retiraram a um lugar denominado Cassiciaco, fora de Milão, e depois de algum tempo foi batizado nesta cidade, em 387. No ano seguinte voltou a Cartago. Durante a viagem, sua mãe faleceu – o que o afetou por longo tempo. Depois de viver em Cartago por alguns anos. Agostinho foi eleito presbítero na igreja em Hipona. Mais tarde ficou sendo Bispo da mesma cidade (395). E ai permaneceu até a sua morte ocorrida quando os vândalos invadiram a região e sitiavam Hipona em 430. Muitas são as interpretações feitas quanto o significado da conversão de Agostinho. Vários pesquisadores protestantes, inclusive Harnack, afirmaram que sua conversão, como os Solilóquios, são citadas como prova. Com base neste livro (escrito em Cassiciaco), o significado da conversão foi diminuído - o que é bem o contrário do que o próprio Agostinho diz dessa experiência. Pesquisadores Católicos apoiam a reivindicação feita nas Confissões e consideram a conversão como mudança genuína, em consequência da qual Agostinho chegou a alcançar a fé cristã e a se submeter aos ensinamentos da igreja. Como resultado das investigações de Norregaard e Holl, esta última interpretação é hoje, em geral, aceita. Holl demonstrou que os estudos filosóficos de Agostinho, que ele naturalmente continuou após a sua conversão, receberam enfoque diferente.